II. O País da Batota: «A grande corrupção considera-se impune», [João Cravinho]
João Cravinho, em entrevista ao Público e RR (“Diga lá Excelência”),declarou que em Portugal a “grande corrupção política” não só se acha impune como está a aumentar”: “«Falo com muita gente, advogados, economistas, que dizem que isto está a atingir proporções em alguns grandes negócios que são suspeitos»(JC).O politólogo Luís de Sousa (CIES_ISCTE), na “Jornada de Trabalho Contra a Corrupção em Portugal" (org. ISCTE-CIES e PGR-DCIAP, maio 2007), referiu que quase dois terços dos processos de corrupção de 2002-03 [criminalidade participada nesta área] foram arquivados em Portugal. Do autor chegará em breve aos escaparates um livro que deverá merecer a nossa maior atenção: Luís de Sousa e João Triães (Participação de António Pedro Dores,Carlos Jalali e José M. Magone), A corrupção e os Portugueses, Rui Costa Pinto Ed.,Setembro/2008. O livro anunciado deve incluir(presumo) as comunicações portuguesas apresentadas no Worshop Corrupção e Ética em Democracia: Representações Sociais dos Portugueses em Perspectiva Comparada (Lisboa, ISCTE, Junho 2007)
Na entrevista, João Cravinho, actual director do BERD (Londres), acrescenta uma nota essencial: o incremento da grande corrupção política em Portugal está a ser acompanhado pela governamentalização do recém-criado Conselho para a Prevenção da Corrupção (CPC) [aprovado exclusivamente pela maioria PS a 11.07.08, o que, acontecendo em matérias desta natureza apenas revela,uma vez mais, o tique autoritário das maiorias absolutas em Portugal em vez da busca de consensos alargados], um organismo formalmente colocado sob a alçada de um outro orgão de soberania, o Tribunal de Contas, um orgão especializado, presidido por um conhecido militante socialista, que deveria reger-se pelo “princípio da independência e da exclusiva sujeição à lei (artº 203 da CP). Sobre a controversa, etica e politicamente inaceitável composição do CPC [8 membros, 3 apenas “independentes”] ver Projecto de Lei n.º 540/X [http://app.parlamento.pt/webutils/docs].
Quando se tem em conta a natureza resiliente deste tópico no sociedade portuguesa sob regime democrático lembro-me sempre do comentário do meu amigo e militante socialista que a propósito do uso do Estado por parte das elites nacionais e locais para promover esquemas pessoais muito generosos: "agora é a vez deles" (PSD, anos 1990), "depois virá a nossa". Chegamos assim ao dito bom modo português de fazer as coisas, que alguns exibem com orgulho sem perceberam que aí , nessa cultura de corrupção, amiguismo, arrangismo e desleixo está uma dos nossos mais arreigados problemas do atraso, especialmente numa era em que já não temos outros povos para nos cederem "generosamente" recursos materiais e de trabalho.
A visão de Ramalho Ortigão (1888) ainda é capaz de fazer algum sentido: «Achamo-nos divididos como cidadãos nestas três categorias: sindicatores, sindicatosos e sindicatados. Os sindicatores constroem palácio, rolam equipagem e libré, comem trufas, bebem champagne seco, digerem o melhor que a dispepsia o permite, e manifestam pela ordem geral das coisas uma alegria limitada pelos ingurgitamentos do fígado no interior de cada um.Os sindicatosos, impacientemente ávidos do champagne haurido, das trufas chuchurribiadas, das tipóias batidas e das mulheres amadas pelos sindicatores, protestam com os mais acres extravasamentos da retórica e da bílis contra a fúria bestial com que os outros se sindicatizam, e clamam estar chegado o tempo de pôr cobro a tanto abuso, abrindo uma nova era de prosperidade e de ventura em que sejam eles os encarregados de sindicatar o povo.
Os sindicatados, finalmente, continuam pela sua parte a puxar ao velho e ferrugento engenho do trabalho nacional, fingindo espremer ainda alguma coisa do bagaço a que os sindicatores chucharam todo o sumo [....]. Dessa obscura legião de trabalhadores desgostosos, uns refugiam-se na imobilidade da burocracia e vão para amanuenses, para contínuos ou para serventes de secretaria; outros acoitam-se na debilidade sagrada da força pública e são soldados, polícias ou guardas da Alfândega. Os que sobejam e não podem fazer-se padres, professores de instrução primária ou escritores públicos, se são fracos suicidam-se, morrem de fome ou roubam; os que sobejam e não podem fazer-se padres, professores de instrução primária ou escritores públicos, se são fracos suicidam-se, morrem de fome ou roubam; se são fortes embarcam em massa e emigram para o Brasil, para a Califórnia ou para as Ilhas Sandwich, para os países ingênuos, jovens e sãos, onde quem trabalha enriquece e quem não trabalha não come». [Ramalho Ortigão, As Farpas, Vol. VII, 1888 (Cap. 39, pp. 313-314)]
Pois é, apesar das vagas de paixão educativa para a cidadania ainda não somos um país “ingénuo”. Em suma, ou chegamos a sindicatores, e neles alapamos, ou nos tornamos sindicatosos, à espera de uma janela de oportunista (oportunidade deveria eu escrever) ou nos lixamos como sindicatados. Temos de escolhar e lutar pela conquista de lugares no sistema ou mudar de rumo. Sendo a Democracia o melhor dos piores regimes políticos é bom termos a noção que nós temos a pior democracia da Europa facto actual que só envergonha os "sindicatados". Na última década para muitos dos portugueses encontrar um rumo novo tem sido emigrar para longe, para muito longe (no plano dos hábitos civilizacionais, claro).E a verdade é que não me sinto velho para o fazer, mesmo que não o venha a fazer. Quem sabe? O futuro do indivíduo a ele pertence. Mas como europeu prefiro travar aqui o combate da intensificação da europeização. A Europa das boas práticas tarda demasiado, mas não podemos baixar os braços, e alguns dirigentes dos partidos do poder deveriam ter a ingenuidade de aceitar lições, incluindo as de João Cravinho.
HAF