Editorial

Um amigo muito estimado tem uma “FlorBela” , a poetisa, sentada à janela do mundo. A peça é de Pedro Fazenda e hoje permite à poetisa, a partir da Quinta de Santa Rita, um olhar eterno sobre o lado este da cidade de Évora. Todavia ela nem sempre esteve ali. Conheci-a na cidade, no Pátio de S. Miguel , quase debruçada sobre o velho Colégio Espírito Santo (actual “centro” da Universidade de Évora) e com um horizonte que dos “coutos “ orientais da cidade se prolongava, nos dias verdadeiramente transparentes , até Évora-Monte . Mas as coisas da vida são como se fazem. Depois de um par de anos vendo o mundo a partir da cidade , e de mais alguns por outras andanças e paragens, Florbela sentou-se definitivamente para observar a cidade. E lá a encontrará nos anos vindouros quem a souber procurar. À janela, de onde a poetisa gostava de apreciar se não o Mundo, pelo menos o Mar (“Da Minha Janela”, 1923).

À janela do mundo me coloco também para observar e comentar as múltiplas cidades que me interessam, os seus actores e instituições. Sem uma agenda definida. Pelo simples prazer de dar palavras a ideias quando tal me apetecer. Um exercício de liberdade e cidadania.

DiáriodeumaCatedraaJanela é um blog de autor, um espaço de opinião aberto a todas as dimensões que se inscrevem na minha identidade . A de um autor com experiência e memória de mais de meio século partilhadas entre África e Europa, Casado (há quase 30 anos), Pai (de três filhos), Livre Pensador, Cidadão (Português e Europeu) , Professor (Catedrático) e Historiador . O Diário passará por tudo isto, mas com o carácter de “conta-corrente”, só mesmo a vida académica, que no momento em que este editorial foi escrito de(le)itava-se em mais uma falsas férias.

Não me coloco ao abrigo de uma atalaia. Pretendo também ser observado, expondo o meu dia a dia profissional. É uma forma de ajudar a superar a miserável (manipulação da ) ignorância do “povo” e proporcionar a possibilidade de contrapôr experiências à retórica e oportunismo mediáticos de muitos observadores e políticos pouco criteriosos. Os cidadãos podem conhecer de perto o que nós (professores universitários com carreira universitária) fazemos pelo país, o modo como o fazemos e o que pensamos sobre o modo como podemos fazer ainda mais e melhor.

A começar a 1 de Setembro. Não por ser o dia dedicado pela Igreja Católica à bela “Santa Beatriz da Silva Menezes, Virgem “ (1490-c 1550). Não por constituir efeméride da invasão da Polónia pela Alemanha (1939), da Conferência de Belgrado (1961) ou da tomada do poder por Muammar al-Qaddafi (1969). Não também pelo comemorativo propósito dos dias do Caixeiro Viajante ou do Professor de Educação Física. Nem sequer por marcar o nascimento de António Lobo Antunes (1942), o autor das extraordinárias “D´este viver aqui neste papel descripto. Cartas da Guerra” (1971-1972) , cuja edição as filhas organizaram (2005) , ou de Allen Weinstein (1937), prestigiado historiador americano e actual “Archivist of the United States “. Nada disso. Também não é por corresponder ao 9802º dia da minha actividade como professor universitário, cujo início data de 30 de Outubro de 1980, quatro meses após a conclusão da licenciatura e uma disputa em concurso público limpinho. Apenas porque me fica mais em conta.

Vamos lá tentar fazer disto um mundo aberto.

Burgau, 15 de Agosto de 2007
Helder Adegar Fonseca (HAF)

domingo, março 9

9988º Dia

I
Um dia à volta de uma agregação, duas cátedras e uma mala de viagem.

II

Ontem a “Escola Pública na rua” enfrentou a amargurada arrogância do Poder de Maioria Absoluta na mais importante manifestação “profissional” da História Portuguesa (e de dimensões raras na Europa)


[Fotos da Lusa e de Vera Moutinho]
Por detrás destas fotografias estiveram 70% dos professores do Ensino Público (não superior) do país (143.000). Muitos mais ficaram nas suas aldeias, vilas e cidades porque esgotou-se o parque de aluguer de autocarros. É apenas insultuoso considerar “mal informados” (desconhecimento) um dos sectores profissionais mais qualificados do país.
Parece sensato considerar ter chegado ao limite a oportunidade da Srª Ministra da Educação ter sido um exemplo de competência técnica e política na operacionalização de uma indispensável reforma educativa. A senhora não foi capaz de fazer com sensatez um trabalho difícil. Fez o mais fácil: TENTAR REFORMAR SEM CONCERTAÇÃO, SEM TRANSPARÊNCIA E CONTRA AS PESSOAS. A partir de agora, com ela no Governo, o país está a perder tempo, dinheiro e qualificação. A perder muito tempo e muito dinheiro e, o pior de tudo, a tramar o futuro de muitos jovens. A SRª MINISTRA DEVERIA EVITAR DEIXAR O PAÍS HERDEIRO DESTE CONTRIBUTO E LIBERTO DE UMA MEMÓRIA TÃO NEGATIVA. Os Sindicatos (e não gostei de tudo o que vi) e os Professores devem ponderar a forma como fazer a transição da rua para um patamar mais criativo (sem becos). Vi hoje alguns sinais deste risco. Estou convicto que Mário Nogueira, o SG da FRENPROF, que soube ser o homem certo que estando no lugar certo criou o “momento certo” não se deixará deslumbrar e saberá sair da rua no momento certo. O país ficará melhor. Os próximos dias serão decisivos….
O Governo não deve dar importância nenhuma às considerações do impagável SEE Valter Lemos sobre o fim do sindicalismo (uma das marcas dos ditos peritos em Eduquês é a ignorância do contexto) mas pensar no extraodinário significado da declaração de uma das professoras que esteve entre centena de milhar de manifestantes: «Mais do que fazer aquilo que me dizem os sindicatos, faço o que quero fazer por mim». [Paula Cristina Fernandes, professora de inglês na Escola dos Marrazes, em Leiria]. Cá por casa, a pessoa mais envolvida na matéria deixou este breve comentário: “ ontem recuperei o orgulho de ser professora “.
Uma nota final para a extraordinária reacção do dr. Augusto Santos Silva , típico ministro do lado triste do regime (estava a ver se me lembrava de algo útil e duradouro que ele como ministro de tantas coisas nos tivesse legado ….).
HAF