Editorial

Um amigo muito estimado tem uma “FlorBela” , a poetisa, sentada à janela do mundo. A peça é de Pedro Fazenda e hoje permite à poetisa, a partir da Quinta de Santa Rita, um olhar eterno sobre o lado este da cidade de Évora. Todavia ela nem sempre esteve ali. Conheci-a na cidade, no Pátio de S. Miguel , quase debruçada sobre o velho Colégio Espírito Santo (actual “centro” da Universidade de Évora) e com um horizonte que dos “coutos “ orientais da cidade se prolongava, nos dias verdadeiramente transparentes , até Évora-Monte . Mas as coisas da vida são como se fazem. Depois de um par de anos vendo o mundo a partir da cidade , e de mais alguns por outras andanças e paragens, Florbela sentou-se definitivamente para observar a cidade. E lá a encontrará nos anos vindouros quem a souber procurar. À janela, de onde a poetisa gostava de apreciar se não o Mundo, pelo menos o Mar (“Da Minha Janela”, 1923).

À janela do mundo me coloco também para observar e comentar as múltiplas cidades que me interessam, os seus actores e instituições. Sem uma agenda definida. Pelo simples prazer de dar palavras a ideias quando tal me apetecer. Um exercício de liberdade e cidadania.

DiáriodeumaCatedraaJanela é um blog de autor, um espaço de opinião aberto a todas as dimensões que se inscrevem na minha identidade . A de um autor com experiência e memória de mais de meio século partilhadas entre África e Europa, Casado (há quase 30 anos), Pai (de três filhos), Livre Pensador, Cidadão (Português e Europeu) , Professor (Catedrático) e Historiador . O Diário passará por tudo isto, mas com o carácter de “conta-corrente”, só mesmo a vida académica, que no momento em que este editorial foi escrito de(le)itava-se em mais uma falsas férias.

Não me coloco ao abrigo de uma atalaia. Pretendo também ser observado, expondo o meu dia a dia profissional. É uma forma de ajudar a superar a miserável (manipulação da ) ignorância do “povo” e proporcionar a possibilidade de contrapôr experiências à retórica e oportunismo mediáticos de muitos observadores e políticos pouco criteriosos. Os cidadãos podem conhecer de perto o que nós (professores universitários com carreira universitária) fazemos pelo país, o modo como o fazemos e o que pensamos sobre o modo como podemos fazer ainda mais e melhor.

A começar a 1 de Setembro. Não por ser o dia dedicado pela Igreja Católica à bela “Santa Beatriz da Silva Menezes, Virgem “ (1490-c 1550). Não por constituir efeméride da invasão da Polónia pela Alemanha (1939), da Conferência de Belgrado (1961) ou da tomada do poder por Muammar al-Qaddafi (1969). Não também pelo comemorativo propósito dos dias do Caixeiro Viajante ou do Professor de Educação Física. Nem sequer por marcar o nascimento de António Lobo Antunes (1942), o autor das extraordinárias “D´este viver aqui neste papel descripto. Cartas da Guerra” (1971-1972) , cuja edição as filhas organizaram (2005) , ou de Allen Weinstein (1937), prestigiado historiador americano e actual “Archivist of the United States “. Nada disso. Também não é por corresponder ao 9802º dia da minha actividade como professor universitário, cujo início data de 30 de Outubro de 1980, quatro meses após a conclusão da licenciatura e uma disputa em concurso público limpinho. Apenas porque me fica mais em conta.

Vamos lá tentar fazer disto um mundo aberto.

Burgau, 15 de Agosto de 2007
Helder Adegar Fonseca (HAF)

domingo, setembro 30

9831º Dia

sábado, setembro 29

9830º Dia

sexta-feira, setembro 28

9829º Dia

I
A jornada foi essencialmente ocupada com os trabalhos preparatórios e, ao final da tarde, a reunião com os alunos admitidos no Curso de Mestrado de Estudos Históricos Europeus. A eficiência com que algumas das pessoas actuaram mostra que há coisas a correr bem nos serviços da Universidade de Évora. A reunião foi de grande utilidade e parece-me ter deixado boas expectativas para todos. A mensagem principal foi de que está a ser feito um esforço grande para reunir as condições necessárias ao cumprimento dos objectivos do programa de mestrado – a formação do historiador comparatista. Foi possível anunciar a assinatura de um protocolo de cooperação para a mobilidade de docentes e estudantes com a Fakultät für Geschichtswissenschaft, Theologie und Philosophie (Universität Bielefeld), que integra uma das mais importantes escolas europeias de História Social da Europa. Trabalhar com o grupo de estudantes admitido, com experiências tão diferenciadas, promete ser uma tarefa aliciante neste esforço de recuperação de um “velho” programa Mestrado (adaptado a 2º Ciclo) efectivamente orientado para a nova (escrita da) História da Europa, agora centrada nos Séculos XIX e XX.

II
Decorrente da entrada em vigor (a partir de 10 de Outubro) do novo Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES), sabia-se eminente a definição dos procedimentos para construir o novo quadro institucional da Universidade. O primeiro passo é naturalmente o da criação de uma quase “Assembleia Constituinte” ou , ainda melhor dizendo, de uma “Assembleia Estatuinte” , cujo objectivo é dotar a Universidade de novos estatutos ajustados ao dito RJIES. A dimensão das alterações a introduzir não se adequam ao termo de uma simples revisão. Algumas das “forças” no terreno já davam sinais de movimentação. Hoje o processo ficou mais visível com a publicação do “Regulamento Eleitoral para a eleição da Assembleia ad hoc para a Revisão Estatutária” (Ordem de Serviço Nº 19/2007) e do Despacho Reitoral que constitui a Comissão Eleitoral (2 professores auxiliares !!! e um estudante). As exclamações anteriores….são isso mesmo , o que o leitor está a pensar. Além disso como o Regulamento no seu Art.º 5-2 estabelece que a Comissão Eleitoral é presidida pelo professor de mais elevada categoria e nada fixa no caso de eles terem a mesma categoria, ficará sempre como motivo de curiosidade saber como, da dita comissão eleitoral, um deles foi indigitado presidente. Mas isso são “monkey nuts”, e não é difícil perceber o elevado propósito.

O mais importante é que estão fixados os procedimentos para a apresentação das candidaturas ( por listas separadas de doutorados e estudantes) , definido o curso do acto e o método do apuramento final (representação proporcional de Hondt) assim como o calendário eleitoral para a eleição dos 12 doutorados e 3 alunos (data das eleições a 21 de Novembro) e os procedimentos sequentes ( cooptação de 5 personalidades externas a 28 de Novembro).

O mais importante é todos termos consciência que a Universidade de Évora vai iniciar uma fase decisiva da sua vida institucional, período no qual se moldará o que se tornará o futuro. É uma oportunidade essencial. Todos, de diferente forma, temos obrigação de participar no debate que se aproxima. E o debate pressupõe o conhecimento da nossa experiência (e da experiência dos outros). Por isso, decisivo para um debate esclarecedor e criador são os seguintes aspectos :
a) Tornar público no mais curto prazo o Relatório Final da Comissão de Avaliação Institucional da Associação Europeia das Universidades (este é um aspecto fundamental e deve ocupar um lugar central no debate) .
b) Tornar claro e público o compromisso de cada uma das listas em relação aos princípios essenciais que nortearão a sua estratégia no desenho dos novos estatutos.

E a estes aspectos , nos detalhes que implicam, não deixarei aqui de voltar.
HAF

quinta-feira, setembro 27

9828º Dia

A última entrevistada pela equipa do Diga lá Excelência (ver Público de 23 Set.) foi a directora do DCIAP, a quem foi entregue, como procuradora especial, o processo de investigação sobre a licenciatura do Senhor Primeiro Ministro. A entrevista como é natural não passou à margem do dito. A conclusão é assassina: o aluno Sócrates (que na altura era Secretário de Estado) no trajecto académico que realizou dentro da universidade privada (que a entrevista não identifica e eu também não) que o licenciou não colheu nenhum benefício que os seus colegas não tivessem colhido, ou seja foi tratado em igualdade de circunstâncias. Pelo que se vai ouvindo no meio académico eu tenho essa conclusão por limpa.

O que este caso todo revela, quando visto globalmente, são evidências das más práticas administrativas e pedagógicas que, frequentemente ouvimos dizer, infecta(va)m o sector do ensino superior independente em Portugal, país em que ocupa um espaço invulgarmente largo. Aquelas más práticas não podem deixar de lançar uma nuvem de suspeita sobre a qualidade genérica dos diplomas alí alcançados. O modelo foi vivendo de um recrutamento “flexível”, turmas numerosas e também “flexíveis” , poucos e débeis recursos afectos ao ensino, ausência de controlo de qualidade, etc. Deste ponto de vista é provavel que todas fossem muito iguais entre si. Além disso, tal como no Ensino Universitário Público, os objectivos da formação eram muito mais a passagem do conhecimento do que a transferência/aquisição de competências e, por isso, o peso da investigação instalada não necessitava de ser expressiva. Com isto dito, não se pode dizer que aquelas instituições fossem uma referência internacional ou nacional, como não o são.

Com a Bolonhização, as instituições do ensino superior público, subsidiado e independente, tem também que concretizar condições para que sejam alcançados pelo estudante os objectivos/resultados expectáveis para cada ciclo de estudos do Ensino Tercário. Imaginar cumprir Bolonha sem ir criando uma infraestrura adequada e introduzindo uma mudança radical quer no método de ensino quer nos instrumentos e elementos de avaliação é fazer, vou usar a expressão porque além de estar enraizada faz bastante sentido, uma “reforma à portuguesa”, ou seja má, porque mal operacionalizada. Muito gente acredita na capacidade “inata”dos portugueses para o “desenrascanço” e adaptação a “qualquer coisa”. Eu não.

As Universidades, cada uma delas por sí, tem que fixar o quadro de referência de qualidade para os seus serviços (incluindo as aulas) e os seus projectos (de investigação) de acordo com as missões concretas a que se propõe, e monitorizar o seu andamento. Não se pode permitir que o limite inferior da fasquia.

Esta nota reflecte as dificuldades que, na minha Universidade, já se revelam no início da transição. Passei uma parte substancial do dia ocupado com alguns desses problemas. Revi as medidas que foram adoptadas. Como quase tudo ficou cingido à "reciclagem",adaptação aos novos ciclos. E tomei conhecimento de comentários ignorantes e, esses são sempre, preocupantes : “ o meu filho anda na Universidade X (no acaso , uma instituição independente do Estado) que Bolonhizou e tem aulas numa turma com mais de uma centena de alunos.” Aqui não se bolonhizou de certeza, quando muito houve "re-ciclagem". No método é que não foi segurante. Não há dúvida que é necessário começar a remar contra o minimalismo que parece conduzie a "Bolonha a portuguesa”.
HAF

quarta-feira, setembro 26

9827º Dia

Um dia longo e cheio. O codificação da HSPSM foi interrompida às 9,30 para participar num breve Colégio dos Catedráticos, que, no quadro institucional em vigor apenas aprecia matérias muito específicas. Foi no final desta reunião que tomei conhecimento de que às 10,30 a comissão de peritos da European University Association que procede à avaliação institucional da Universidade de Évora iria apresentar uma versão oral das conclusões. Tenho que confessar que consultei o programa (distribuido na passada semana) de forma apressada, ficando com a ideia que aquela sessão decorreria mais para o final da semana. Foram convidados os chefes de Departamento. Não foram convidados os Catedráticos (?). Não tive conhecimento que sobre esta sessão tivessem sido divulgadas informações nos últimos dias. Por isso estavam presentes cerca de 40 pessoas (para ser generoso).

Assisti apenas a uma parte. Às 11,30 h tinha a sessão de apresentação aos alunos finalistas - do 4º ano da antiga Licenciatura e do 3º ano do 1º Ciclo -, do programa de trabalho para o ano lectivo 2007-2008 do Grupo de História Contemporânea.

O balanço apresentado pelos peritos não me colheu de surpresa. As reuniões sectoriais dos dias anteriores deixavam antever tal desfecho. Não devo entrar em detalhes. Aguardo que num prazo razoável seja tornado público o relatório escrito. A Universidade fez muito bem em solicitar esta avaliação institucional a EUA (European University Association). O mais importante é que agora isso tenha consequências, boas consequências. Elas só podem concretizar-se com base numa estratégia (bem fundamentada, participada, definida) à qual se deve adaptar a estrutura (que certamente exigirá uma reforma profunda), uma equipe dirigente credível e os mecanismos (credíveis) de monitorização. O pior é presumir que uma qualquer deriva cesarista seja a chave do magno problema que todos , mas todos, os dirigentes da instituição alimentaram na última década. Tal aventura terá custos trágicos e ninguém tem legitimidade académica para a levar a cabo.

A sessão de apresentação do programa de trabalho do Grupo de História Contemporânea foi dominada pelas preocupações dos estudantes perante a transição em curso. Muitos deles, se não houver sensatez, ficarão objectivamente sem acesso à avaliação normal. É dificil acreditar que isso seja tolerado. O que é notório é que os estudantes acompanharam de forma muito superficial a adaptação a Bolonha.
Entre o regresso à investigação, a realização de provas orais e a visita de alguns estudantes gastou-se a tarde.

Fique também registado que neste dia assinei com muito agrado a proposta para a concessão de um Honoris Causa a um prestigiado académico de outra Universidade portuguesa.

O serão passou-se em família com um olho na TV (Guimarães, SCP), outro no puzzle dos “Anéis Chineses” e o “espírito” com a filha que hoje viajou para a terra do Tio Sam.
HAF

terça-feira, setembro 25

9826º Dia

A não existência de dias iguais não impede que uns se tornem muito parecidos. Hoje a HSPSM (Historical Sample Portuguese Social Mobility) das 8.00 às 17.30, deixou-me “apardalado”, um termo que os dicionários não devem consagrar, mas eles também não comportam o meu cansaço.
O resto da tarde serviu para passar pelo Colégio Espirito Santo , o “centro” da UE (o Departamento de História e o meu gabinete estão instalados no Palácio Vimioso , defronte à Sé de Évora) e fazer a actualização sobre o andamento da Universidade, nomeadamente o que está a acontecer com a comissão da Fundação Europeia das Universidades, neste momento a avaliar a nossa instituição. Fiquei também a saber que já estão a ser organizadas as hostes para a eleição da “assembleia constituinte” que depois de 10 de Outubro, com o novo regime juíridico em vigor, irá proceder à elaboração dos novos estatutos da UE. Espero que as listas candidatas o façam com compromissos e propostas concretas e claras. E que, para isso fazerem, tenham a humildade de ver como outros o fizeram. Isso é um sinal apenas de sabedoria e maturidade.

Antecipei este breve registo para a seguir poder rever Peter Fonda, Jack Nicholson e Dennis Hopper (também realizador) em Easy Rider o “road movie” que em 1969 (ano de estreia) foi laureado com a Palma de Ouro (Cannes) e no seguinte colheu pelo menos um Óscar da Academia. Mas o que neste momento me interessa mais é o retrato que deixou da juventude da época. Um dia como este é bom para o rever e necessito de selecionar um par de fragmentos para uma aula.
HAF

segunda-feira, setembro 24

9825º Dia

I
No início do ano lectivo 1978-79, depois de uma dura oposição das Faculdades de Letras, entrou em vigor o DL 53/78 de 31 Maio (DR 124), assinado por Mário Sottomayor Cardia, Ministro da Educação e Cultura do II Governo Constitucional (liderado por Mário Soares) , reformando os cursos da Faculdade de Letras. Não me interessa agora apreciar a valia da dita reforma, que em muitos aspectos foi um notório retrogresso (que trinta anos depois a Bolonhização corrige). Mas interessa recordar os procedimentos adoptados.

No essencial a Reforma dos Cursos das Faculdades de Letras consistiu na substituição de um modelo de cinco anos - com dois ciclos, o primeiro de 3 anos , o curso geral conducente ao título de Bachaler, seguido de dois anos de curso especializado conducente ao título de Licenciatura -, por um ciclo único de 4 anos que tilulava licenciados. A reforma o MEC aplicou-se de imediato a todos os estudantes excepto aos que frequentavam o 4ºano (ou seja o 1º ano do curso de especialização). Estes alunos puderam optar entre a adaptação ao modelo de 4 anos ou prosseguir o modelo de 5 anos com o qual tinham iniciado a sua formação. A minha Faculdade (Letras da Universidade de Coimbra) respeitou de forma exemplar a escolha dos estudantes e assegurou, numa era em que o ensino superior era quase ainda gratuito (mesmo as despesas administrativas eram baixas) , que tanto os estudantes do velho como os do novo curriculum tivessem aulas regulares e com o nível a que estávamos habituados e exigíamos. Na altura decidi manter-me no plano antigo, e orgulho-me muito disso e dos benefícios que dessa escolha colhi. De um modo geral é essa a opinião que persiste entre os que nele prosseguiram. Curiosamente os colegas que optaram pelos 4 anos também não ficaram insatisfeitos. Isto é talvez o melhor sinal de que a transição se fez de forma sensata , justa e competente.

Ora aquela solução contrasta totalmente com a adoptada pela minha universidade na actual generalização da transição para Bolonha (2007-2008). Esta foi forçada para todos os alunos que em 2007-08 se matriculariam até ao 3º ano. Perfeitamente aceitável. Aos alunos que em 2007-08 deveriam frequentar o último ano da licenciatura (4º ano), ofereceram duas possibilidades: a conversão a Bolonha ou a concretização do antigo plano de licenciatura. O surpreendente, e completamente reprovável, é que os alunos que optaram pela segunda solução ficaram limitados à possibilidade de concluir a última dezena de disciplinas do curso de Licenciatura através do regime de exame final, isto é, sem um programa de trabalho que inclua aulas e formas de avaliação contínua. Pelo menos os alunos de alguns cursos, ponderando os seus justos interesses não hesitaram: entre poderem ser técnicos de qualquer coisa, preferiram prosseguir o plano antigo que permite a licenciatura e credenciação num plano notoriamente mais vantajoso. Iniciaram um curso de 4 anos, pagaram regularmente as propinas e em 2007-08 pagarão propinas como os outros. Mas não têm aulas regulares como deveriam ter ( e há quem diga que já não há almoços grátis). A compensão em tutoria individual a prestar pelos docentes (a trinta estudantes!!!!!) ou em assistência às aulas de disciplinas do 1º ciclo com conteúdos similares é, para ser muito generoso, absurda. A única “virtude” que reconheço a esta solução é a de impedir que a Bolonhização se faça com a inerente e indispensável mudança no métodos de ensino, aquilo que deveria ser a verdadeira “carne” da reforma. Deste modo repõe-se alguma justiça: correrá mal para todos. O facto é que as reformas só são boas quando além de bem pensadas são bem aplicadas (uma sentença que até o quinhentista Jacques de La Palisse subscreveria).

Entre os factores que diferenciam as duas transições acima referidas poderão estar, por um lado, a actual ausência de um movimento estudantil plural e activo nas questões directamente relacionadas com o ensino. Onde ele ainda hoje existe com estas características, e não quase reduzido aos episódios praxistas, as coisas parece estarem a correr de outra forma, com os estudantes constantemente auto-informados e participativos no desenho das soluções concretas para a Bolonhização. Por outro lado, é necessário reconhecer a existência, nas instituições do Ensino Superior e em particular nas Universitárias, de um diferente grau do que pode designar-se como o “espírito académico” ou, termo que eu prefiro, de uma “cultura de academia”. Estou seguro de que na FLUC em 1978-79 apesar dos problemas de maior e menor dimensão, a boa transição na reforma dos cursos ficou a dever-se à presença daqueles dois elementos e se eles não foram decisivos ajudaram muito.

A propósito da qualidade das coisas (e das instituições) a semana que agora começa é de grande relevância para a Universidade de Évora. Nela decorrerá a última visita do grupo de peritos da European University Association que procede à avaliação institucional e cujo relatório e conclusões finais serão tornadas públicas na próxma 6ª feira. Tenho a certeza de que os novos tempos se tornarão interessantes nesta Universidade.

II
Tal como anunciei no Diário do passado dia 21, começo hoje a divulgação sistemática de algumas das mais importantes conclusões dos últimos relatórios Eurydices sobre a dimensão social do ensino superior nas sociedades europeias. Sobre as fontes e procedimentos que vou adoptar e a agenda que vou seguir, tudo deixei suficientemente explicado em registo do 9822º dia. O primeiro feixe de questões é a seguinte: Quem paga os custos do Ensino Superior? Qual é o nível de intervenção do financiamento público (FP)? E este FP cobre que tipo de despesas? Qual é que isto tudo ocorre em Portugal, tanto quanto os dados permitem conhecer? Cruzando a recente informação sintética da Comissão Europeia, nomeadamente a MEMO/07/183 de 10 de Maio de 2007 (documento que aqui seguimos de perto por vezes em tradução literal) com os Key Data on Higher Education in Europe / Chiffres Clés de Enseignement Supérieur en Europe (edição de setembro de 2007) fica uma resposta.

O ensino superior na Europa é principalmente organizado e financiado pelo sector público. Ele acolhe mais de 70% dos estudantes da EU-27 (União Europeia a 27 países) e emprega a maior parte dos docentes. O sector privado independente (isto é , não subvencionado pelo Estado) é virtualmente inexistente excepto em Chipre, Polónia, Portugal e Roménia.

No caso português, seguindo os dados de 2003-04, as principais diferenças em relação ào conjunto da EU-27 são: a ausência de um sector privado subvencionado, que na Europa compreende cerca de ¼ dos estudantes do Ensino Terciário; o sector privado independente tem um peso relevante (c. 50% dos estudantes) nos cursos profissionais (práticos e técnicos) do 1º Ciclo (ISCED 5B), mais modesto nos cursos mais teóricos e de elevada especialização técnica ainda do 1º Ciclo (27,4, ISCED 5A) e bastante menos expressivo nos cursos de prós-graduação ou de 2º e 3º Ciclos (11,3%, ISCED 6), quando o “peso” médio do sector privado independente na Europa em cada um dos níveis indicados é respectivamente 7,1%, 9,1% e 1,8% (cf. Kei Data, Fig.A3)

Na EU-27, em 2003, a despesa pública total de Educação no Ensino Superior (DPTEES) era constituida por alocações directas às instituições de ES (83,7%), ajuda financeira aos estudantes (16,1%) e transferências públicas para as organizações com fim não lucrativo e empresas (0,1%). Em Portugal esta distribuição tem as seguintes porções, respectivamente: 97,4%, 2,2 % e 0,5% . A quota da alocação das ajudas financeiras aos estudantes é a mais baixa da Europa-27, logo depois da Polónia (0,2%). No outro extremo encontramos países tão diferentes como o Chipe, Dinamarca, Holanda, Malta e Noruega(conjunto de países onde aquela quota é superior a 30% da DPTEES, podendo chegar aos 56% , no caso do Chipre).

Predomina pois, na EU-27, a prática do financiamento directo às instituições e a maior parte deste montante é alocado às funções do ensino (61,4%), distribuindo-se o resto por outras despesas de funcionamento (28,9%) e de capital (9,7%). Neste aspecto, a Grécia, a Suécia e a Eslováquia são excepções ( abaixo de 45%). Na Grécia, a maior parte do financiamento é absorvido pelas despesas imobiliárias e as infra-esttruturas (40,8%). Na Eslováquia a maior fatia vai para as despesas de funcionamento (46,8%). Na Suécia, os montantes alocados à investigação são quase tão elevados como os afectados ao ensino. Em Portugal as funções do ensino absorvem 69,1%, as outras despesas correntes 25,8% e as infra-estrutras 5% do total da despesa.

Numa óptica orientada para a função das despesas/por estudante em full time - Serviços de Ensino (SE), Investigação & Desenvolvimento (I&D) e Actividades Complementares ao Serviço de Ensino (ACSE) – os dados disponíveis são parcelares. Seja como for os disponíveis sugerem que na UE-27, o grosso da despesa/estudante é dirigido para os SE (67%), cabendo a I&D 45,5% e aos ACSE uma quota residual de 2,4%. Os dados são de 2003, e lamentavelmente Portugal encontra-se entre o grupo de 8 países de que não se apresentam dados (cf. Key Data…, p. 84)

Os recursos em pessoal académico (ratio Estudante/Professor) variam expressivamente na UE-26, numa amplitude que vai dos 9 estudantes/professor aos 28 estudantes/professor, como na Grécia. A média europeia ronda os 15,9 estudantes, sendo o ratio de Portugal ligeiramente inferior (13,5) , tendo pelo menos 9 países com um ratio mais baixo, entre o quais a Eslováquia, Finlândia, Suécia e Islândia onde existem, em média, 10 estudantes por professores

De um modo geral, a despesa por estudante é mais fraca nos países em que o número de alunos por professor é mais elevado, e o inverso também se verifica. Todavia, a relação entre estes dois elementos depende fortemente da massa salarial do pessoal académico; isto pode explicar o facto de entre alguns países com o mesmo ratio estudantes/professor, uns dispenderem mais por estudante do que outros.

Há três paises (Bulgária, Lituânia e Eslováquia) que se afastam claramente desta tendência, apresentando ratios muito favoráveis (menos de 15 estudantes por professor) apesar das despesas com a função docente estar entre as mais baixas dos países europeus em 2004. No Reino Unido, onde o montante destas despesas se posiciona entre os mais elevados dos países europeus, o ratio é de 18 estudantes por professor.

Portugal, com 4476 Euros PCP/estudante [o PCP ou Poder de Compra Padrão ou PPS-Purchasing Power Standard, é uma unidade de referência monetária comum artificial que é utilizada na UE numa perspectiva comparativa pois elimina as diferenças dos níveis dos preços entre os países], integra o grupo dos 6 países da União Europeia com menor despesa por estudante no ensino superior( 2800 a 5000 Euros PCP), quando a média da UE-27 é de 7898 Euros PCP. Deve notar-se que embora aquela meia dúzia de países tenha o PIB/habitante mais baixo da UE-27, entre eles existe também uma enorme diferença (tanto no PIB como na despesa/estudante) e há países fora do grupo com PIB equivalemente mas que realizam um maior esforço no financiamento do Ensino Superior (p.ex. Rep. Checa, Malta e Eslovénia) . Estes dados indicam apenas que não é apenas o nível de potência económica que determina o financiamento do Ensino Superior embora a tendência seja para haver uma relação directa (maior PIB/per capita, maior despesa por estudante do Ensino Terciário)

Daqui retiram-se algumas conclusões interessantes sobre Portugal . A primeira é que há uma grande tradição e comunalidade entre as sociedades europeias quanto à organização do ensino superior pelo sector público. De um modo geral o sector privado só tem alguma expressão quando subvencionado pela Estado, excepto num grupo de 4 paises, incluíndo Portugal, onde, decorrente de um impulso historicamente muito recente, é realmente expresiva a dimensão do sector privado independente, em especial no primeiro ciclo de titulação com um cariz mais profissional. A segunda é o nível muito baixo da despesa pública por estudante no Ensino Superior, um facto que não está relacionado apenas com o nível de riqueza do país, mas decorre também de opções políticas : há países europeus com níveis de produto semelhantes ao português que entendem útil e são capazes de fazer um maior esforço financeiro no formação de recursos humanos de qualificação superior. A terceira e última, é que o financiamento público em Portugal dirige-se essencialmente paras as instituições e a fracção destinada a ajuda directa aos estudantes é miseravelmente diminuta (quase 8 vezes menos que a média UE-27). O elevado peso do sector privado independente , a reduzia despesa por estudante a full time, e a reduzidissima fatia destinada ao apoio dos estudantes parecem serem os aspectos mais marcantes que separam a organização e financiamento do Ensino Superior do Padrão Europeu. Pelo menos as duas últimas características parecem actuar de forma bastante negativa nos resultados deste subsistema de ensino e nos níveios educativos do país.
(continua no 9832º dia)

III
A propósito do ensino superior independente em Portugal vou evitar a tentação de comentar alguns aspectos da entrevista ao Público e R.Renascença (Diga Lá Excelência) da Procuradora Cândida Almeida, Directora do Departamento Central de Investigação de Acção Penal da PGR.



A nota final é para uma boa notícia que li no Público de sábado p.p.: a Gradiva conseguiu fazer, pelos vistos após uma enorme persistência, a edição de uma das obras do americano Gary Larson, o cartoonista que descobri com a “sinistra, talvez, e perfeita” (The New York Time) série “The Far Side” (15 ou 16 vols, 1980-95?). Parece que era esta popular e genial série que a Gradiva pretendia mas conseguiu convencer Larson a deixar publicar apenas “There's a Hair in My Dirt! A Worm's Story” (1998), um “bestseller” da NYT que começa assim: Beneath the floor of a very old forest, nestled in among some nice, rich topsoil, lived a family of worms. Earthworms, to be exact. They had just begun to dine when the little worm, staring wide-eved at his meal, suddenly spit out his food and screamed.“THERE IS A HAIR IN MY DIRT! THERE IS A HAIR IN MY DIRT!”. Na edição portuguesa, pelo que li no ´Público,o título é “Há um cabelo na minha terra. Uma História de Minhocas”. Imperdível pelos desenhos deslumbrantes nos detalhes (cartoons) e pela prodigiosa fábula. Não deixo a capa, uma delícia, pois prefiro o retrato de tão simpática família.
HAF.

domingo, setembro 23

9825º Dia

sábado, setembro 22

9823º Dia

sexta-feira, setembro 21

9822º Dia

Os meios técnicos disponíveis há já uma semana que começam a mostrar algum "cansaço" na operacionalização dos dados. Avizinham-se novas e inevitáveis despesas. Enquanto isso não se decide as coisas têm de avançar mesmo que de forma mais arrastada. Há compromissos internacionais cujo cumprimento têm prioridade absoluta.

Durante a tarde recebi um doutorando. Pareceu-me em forma e encorajado para a etapa final. A História das Elites Portuguesas ficará seguramente enriquecida com a conclusão deste estudo focalizado na origem e destino social dos estudantes do “ensino secundário” entre meados do século XIX e meados do século XX.

Num final de uma semana (para muitos provavelmente considerada) “gloriosa” para o Ensino Superior em Portugal, dominada pelas generosas vagas de novas entradas para os 1º Ciclo e de estudantes admitidos aos 2º Ciclos, regresso ao “estado” do ensino terciário português/europeu observado pelo prisma da sua dimensão social, ou seja, centrado na situação pessoal dos estudantes e na igualdade de oportunidades de acesso e frequência do ensino superior. Num registo anterior (cf. 9816º Dia ) incluí um apontamento sumário sobre os 4 modelos identificados entre as sociedades europeias quanto às fontes do apoio financeiro dos estudantes ordinários ou a "full-time", baseado em dados de 2002-2003 e incluido no relatório "Key Data on Education in Europe" de 2005, editado pela Eurydice.

A“Conferência de Londres” do passado mês de Maio (17-18 Maio 07) reuniu os ministros que tutelam o Ensino Superior nos 45 países até então subscritores da Declaração de Bolonha (agora já são 46), a Comissão Europeia e representantes do mundo universitário para examinar o andamento do processo (de Bolonha ou seja,) de criação do “Espaço Europeu do Ensino Superior” até 2010, e rever as principais linhas de acção. A base de discussão foi o “Bologna Process Stocktaking” (London, 2007), relatório elaborado por um grupo de trabalho presidido pelo prof. Andrejs Rauhvargers (Letónia).

Nas vésperas desta importante conferência, a Eurydice publicou um relatório sobre a Dimensão Social do Ensino Superior, antecipando assim um extracto do estudo de maior folgo titulado Key Data on Higher Education in Europe / Chiffres Clés de Enseignement Supérieur en Europe , Edition 2007 (versão final só disponível há um par de dias). Na mesma altura foi divulgada através das EC Press Release uma informação sintética daquele extracto: refiro-me à MEMO/07/183 de 10 de Maio de 2007 / Bologna Process: Frequent Asked Questiosn (FAQ) on the Social Dimension of Higher Education in Europe (disponível também em francês) que, organizada em torno de uma agenda de seis questões, apresenta uma visão global no que respeita à situação dos quase 18 milhões de estudantes que frequentam o ensino superior na EU-27.

Tendo em conta a considerável dificuldade (por razões linguísticas uma vez que a maior parte destes documentos raramente está disponível em português) ou falta de disponibilidade da maioria dos portugueses para aceder a esta informação pretendo divulgar aqui, a partir de 24 de Setembro, os elementos que constituem o balanço da MEMO/07/183, complementados sempre que se justifique com uma nota dedicada a Portugal (quando ela não constou de forma expressa na Memo) , usando para o efeito dados do relatório principal (Key Data on HE in Europe, Set. 2007). Para os mais curiosos fica hoje apenas o painel de questões-chave contempladas pela MEMO referida:

1.Quem paga os custos do Ensino Superior? Qual é o nível de intervenção do financiamento pÚblico (FP)? E este FP cobre que tipo de despesas?
2.Os estudantes contribuem em todo o lado para o custo dos seus estudos?
3.Quais são as principais modalidades de apoio financeiro existentes actualmente? Quais os montantes envolvidos e quem são os destinatários?
4.Qual a posição dos diversos paises face à mobilidade estudantil: quem são os estudantes mais móveis ( recrutamento) e para onde vão na Europa (acolhimento)
5.Quais são as características distintivas do perfil de participação das mulheres?
6.Como está a evoluir/mudar a participação ao nível do Doutoramento ?
HAF

quinta-feira, setembro 20

9821º Dia

No plano académico, um dia em grande parte dedicado a exames (reunião de júri) e à burocracia da Comissão de Curso.

Digna de nota mais longa é a reunião tardia convocada pela Vice-Reitoria dos Ensinos com os Directores das Comissões de Curso do 2º Ciclo. Comissões de Curso que, na sua larga maioria, ainda não estão homologadas apesar de propostas há pelo menos três meses. Tal informalidade de funcionamento, num período fulcral da transição em curso, não deveria ocorrer (e é reprovável). Pretendeu a dita aclarar aspectos pontuais dos despachos e circulares aplicáveis àquele nível do Ensino Terciário. A coisa fixou-se essencialmente nos procedimentos burocráticos gerais e em questões pontuais mais relevantes como as associadas às equivalências e à creditação de competências. Nada que a sensatez não resolva.

No essencial a sessão cumpriu a função, embora tivesse sido útil as coisas terem ficado esclarecidas duas semanas atrás. São compreensíveis as dificuldades e, facto não secundário, parece dominar um espírito prático e positivo, visando encontrar boas soluções para um anormal afluxo de candidatos (poder-se-á atingir o milhar de alunos em 2º Ciclo). E é sensato que se entenda que as comissões de curso, porque de 2ºs ciclos e de candidatos tão diferenciados se trata, terão melhor capacidade para responder à diversidade de situações se a regulação trouxer directivas mas também uma grande flexibilidade, sem ter de cair no facilitismo (“real porreirismo”, como se diz ainda hoje na Lusa Atenas).

O mais interessante foi a impressão que retirei de um “debate” um pouco lateral à agenda da sessão: a creditação de horas de trabalho nas disciplinas de opção em função do número de alunos inscritos. O que nele mais interessou foi a assunção clara por parte de um dos presentes da tese segundo a qual o preço da sobrevivência dos docentes [ou da instituição (?)] inclui o sacrifício da investigação ao ensino. Uma visão da Universidade não surpreendente, presente, como é costume, nos trajectos académicos mais burocraticamente conduzidos, tristemente empobrecedora, absolutamente errada e suicidária. Uma ideia legítima, mas velha e nociva mesmo que influente. Não me parece que a Universidade de Évora tenha a imprudência de querer correr para aí, mas é para aí que a água tem sido conduzida. O risco da desclassificação simbólica é elevadíssimo.

Além do mais, com vista ao sucesso do novo modelo de formação, o problema essencial é o da reduzida eficácia do mesmo em turmas de disciplina com um número de alunos normais/ordinários superior a duas dezenas. Quem conhece em concreto e nelas lecionou, sabe que na generalidade das instituições europeias onde aquele modelo é há muito experimentado com sucesso , o trabalho docente se realiza fundamentalmente num contacto com grupos discentes de dimensão reduzida. É claro que a criação, em alguns cursos de 1º e 2º ciclo, de vários ramos e dezenas de disciplinas (em vez de se ter reforçado a interdisciplinaridade) limitou, na nossa Universidade, a adopção de soluções racionais e deixou prejudicado o que deveriam ser os objectivos essenciais na formação dos estudantes. Julgaram alguns que a multiplicação das disciplinas multiplicava as possibilidades de carga horária. Um erro monumental. Não conseguiram vislumbrar, para além dos danos provocados na formação dos alunos (facto “secundário” e “suportável”), a escala dos custos económicos que tal solução acarretaria, encargos globais que uma Universidade estrangulada, como estão todas as Universidades do país, não consegue suportar. O “ideal” - um doutor, um curso ou, pelo menos, um ramo de um curso - não se cumpriu, mas o pesadelo que ficou é capaz de não ser menor. O tempo o dirá.

No exterior deste universo, um outro mundo hoje centrado em Mourinho e Scolari, dois destinos cruzados ?
HAF

quarta-feira, setembro 19

9820º Dia

Com os herdeiros directos do Newton Heath Lancashire and Yorkshire Railway Club ( 1878) a jogar à noite em Alvalade (jogo que naturalmente cheguei a tempo de seguir pela TV) a actividade académica foi ocupada com exames, um almoço rápido nas instalações centrais com alguns colegas sempre bem informados (tirou-se o pulso ao ambiente) e uma reunião de uma rede de investigação.

A Educação está na moda. Também pelos péssimos exemplos. A notícia do dia foi naturalmente a confirmação pelo Supremo Tribunal Administrativo da ilegalidade cometida pela Ministra da Educação ao proporcionar em 2005-06 a repetição de alguns exames do 12º Ano (Física e Quimíca) prejudicando objectivamente milhares de alunos que não dispuseram de iguais oportunidades nestas e noutras disciplinas.

Como escrevi anteriormente o País da Batota está em todo o lado. Este é só mais um exemplo. A pergunta que seguramente assaltou hoje muitas mentes - com tal decisão do STA o que vai acontecer a seguir? – tem uma resposta simples e directa. Nada, o nada absoluto parodiado pelos Gatos com Fedor. Um dos principais defeitos apontados à sociedade portuguesa, mesmo na era democrática, é o seu baixo nível de institucionalização ( uma marca de informalidade que abre a porta a influências cinzentas que, segundo os estudiosos do tema, modela o funcionamento do nosso sistema de protecção social). Por conseguinte, a expectativa que devemos ter é que não vai acontecer nada. A Srª Ministra errou, prejudicou milhares de alunos nos exames de 2006, como prejudicou objectivamente milhares de professores no concurso para titulares de 2007. E depois, qual é o problema? Exactamente nenhum. Assim funciona o princípio da irresponsabilidade para os políticos da área do poder.

O Sr. Primeiro Ministro, que parece alimentar pela Finlândia uma grande paixão, deveria nela incluir uma acção implacável a favor de uma ética de procedimentos, aquilo que os Filandeses exigem uns dos outros e das instituições que os governam. Os exemplos apresentados, e outros hoje aqui não evocados, mostram que estamos bem distantes disso e que isso não vai mudar tão cedo. Não é provável que a pressa reformista justifique tudo isto… sem castigo. A indispensável superação desta “Cultura da Batota” fica prejudicada com estes exemplos de acção política sem responsabilidade. Não é aceitável que erros políticos do calibre dos assinalados não tenham consequências objectivas de dimensão correspondente, que não seja a eventual penalização em futuras eleições, um acto sempre longínquo e impessoal, como "democraticamente" convêm.
HAF

terça-feira, setembro 18

9819º Dia

Tudo somado, 14 horas à volta da Historical Sample Portuguese Social Mobility. E num dia assim apenas sobra uma nesga de tempo para o Fernando de Sousa de Araújo Gouveia - um agente (1929), chefe de brigada , subinspector , Inspector (1962) e inspector adjunto (1963) da PIDE - que acabou a carreira em 1974 como Técnico Superior da DGS e ficou com tempo e saúde para escrever “Memórias de um Inspector da P.I.D.E. 1. A Organização Clandestina do P.C.P.” com duas edições em 1979 pela Delraux. Ando à volta da 2ª edição. Muito útil.
HAF

segunda-feira, setembro 17

9818º Dia

Recomeçam hoje os exames. A “Época Especial” é, para uma parte dos alunos, a oportunidade para encerrar o curso. Este ano, de transição para o modelo de Bolonha, os estudantes finalistas das antigas licenciaturas dispõem de outras soluções, como a possibilidade de frequência do 2º Ciclo com três disciplinas “penduradas” do 1º Ciclo. A solução não choca e corrige alguma “injustiça” inevitável e decorrente da introdução do novo paradima da formação terciária . Esta semana os alunos nelas inscritos enfrentarão a prova escrita do exame das disciplinas de História Contemporânea. Na próxima semana prestarão a prova oral, que é obrigatória. Desejamos sempre que tudo corra bem. Entrento com a fixação da lista final encerrou-se a primeira fase de admissão dos alunos do 2º Ciclo EHE.

No plano eductivo o início da semana fica marcado pela colocação dos alunos do 1º ano do Ensino Superior. As entradas subiram , significativamente. Olhei para os números ainda só por alto. Um incremento espectacular de entradas no Politécnico. Mas parece tmbém claro que de um modo geral as universidades que nos últimos anos relevaram mais dificuldades no recrutamento de estudantes recuperaram e absorveram uma parte expressiva do crescimento das entradas agora verificado. A Universidade de Évora não foi excepção. E isto deixa-nos a todos satisfeitos.

Porque aumentou tão expressivamente a número de entradas? Qual a relação entre o nível de exigência dos exames do 12º ano e o o número de candidatos e entradas no ensino superior ? A opinião pública pode ser levada a pensar que este ano houve uma maior facilitação nos exames. Não necessariamente. Pode ter havido simplesmente um maior realismo na elaboração das provas de exame, uma maior aproximação àquilo para que os alunos foram treinados. O que este caso mais uma vez ilustra é que os objectivos políticos que orientam a elaboração dos exames do 12º ano são um regulador que manipula o contingente que num dado momento reune as credenciais escolares de acesso ao ensino superior. Nisso, esta nova geração de estudantes de ensino superior teve sorte. É necessário que esta orientação perdure. Com a nova reforma na acção escolar e apoio aos estudantes vamos ver quantos se aguentam por cá até ao fim.

A polémica já instalada em torno do novo Código do Processo Penal que ainda agora entrou em vigor , considerando só os argumentos que tenho lido e ouvido e a forma como o governo riposta às críticas dos advogados e magistrados, leva-me a pensar que esta reforma andou como as outras, com muita pressa….incluindo no texto legal que fixou. O que é um aborrecimento. Porque entre nós esta a tornar-se recorrente a maioria absoluta não ser usada para fazer as coisas bem feitas?

Em início da semana é incontornável una nota desportiva. Desta vez para deixar registado o emocionante [ pelos pontos (e pela forma como foram) concretizados por Portugal] e justo [pelo resultado] jogo que opôs a selecção portuguesa de râguebi e a dos Hakas. Com uma arbitragem exemplar. A segunda nota é naturalmente dedicada ao futebol nacional da 1ª Liga: uma jornada com as marcas usuais. O país da batota não cede terreno. Mas é possivel vencê-lo.

Este país não é só um país de chatos….
HAF

domingo, setembro 16

9817º Dia

sábado, setembro 15

9816º Dia

Hoje a família viajou para Coimbra por questões educativas. Incluimos no programa uma visita à exposição permanente “Segredos da Luz e da Matéria” instalada na primeira unidade (antigo Laboratório Chimico) do “Museu da Ciência da Universidade de Coimbra” (2006), procurando desta vez que a filha “caçula” fosse a principal benecifiada.

Mas o motivo principal da viagem foi a devolução à “Cidade do Conhecimento”, para um novo ano de trabalho, da filha que naquela Academia faz estudos para uma graduação em Gestão. É o nosso segundo filho que escolheu realizar os estudos superiores em instituições universitárias portuguesas afastadas da residência familiar. E é o segunfo filho cujas despesas de educação superior suportamos sem quaisquer outros apoios públicos que não seja a dedução fiscal de parte das despesas e o abono de família. Esta situação cobre a larga maioria das famílias portuguesas cujos filhos tem a oportunidade de estudar no Ensino Superior: acontece estarmos no país onde o apoio indirecto ou directo aos estudantes em geral, e em especial aos do Ensino Superior, por parte do Estado foi um dos mais restritos da Europa nas últimas duas décadas.

A Eurydice tem estado particularmente atenta a esta matéria. No relatório Key Data on Education in Europe do ano de 2005, incluíu o gráfico (com adapção e tradução do A.) que infra [Apoio Financeiro prestado aos Estudantes Ordinários (Full-time) da Educação Terciária que frequentam cursos diurnos para obter uma primeira qualificação, no sector público ou equivalente , 2002/2003 ] e que, como nele se vê, reporta-se a dados de 2002-03



Como sobressai do referido gráfico, detectaram-se nas sociedades europeias quatro modelos de financiamento dos estudantes do Ensino Terciário:
Modelo 1: Educação Terciária gratuita + bolsas/empréstimos aos estudantes ( 10 países)
Modelo 2: Educação Terciária gratuita + bolsas/empréstimos (aos estudantes ou pais) + auxílio financeiro aos pais (abonos e isenções) (9 países)
Modelo 3: Educação Terciária com propinas + apoio financeiro para elegíveis (2 países)
Modelo 4: Educação Terciária com inscrições e propinas + bolsas de estudo para estudantes carenciados + abonos de família + reduções fiscais (10 paises)

Portugal integrou este último grupo (Modelo 4), no qual a educação terciária era paga (inscrições administrativas e propinas), e os estudantes dependiam essencialmente da contribuição das famílias para suportar o conjunto das despesas com a graduação, famílias que recebiam apenas um modesto auxílio do Estado através dos abonos de familia e abatimentos fiscais.

É útil ainda acrescentar que no seio deste grupo detectaram-se nuances interessantes: « The fourth model includes three types of support and is to be found in Belgium, Spain, France, Ireland, Italy, Latvia, Lithuania, Austria, Portugal and Liechtenstein. In all these countries, tertiary education institutions charge registration and/or tuition fees. The support consists mainly of family means-tested study grants for students, family allowances (except in Italy and Liechtenstein), tax relief for the parents of students and, finally, assistance with the payment of registration and/or tuition fees. Assistance with the payment of fees may take the form of total or partial exemption from payment, special grants, or a loan intended to cover both tuition fees and the cost of living. In Latvia and Lithuania, students without a state-subsidised place in a tertiary education institution, who pay relatively high tuition fees (….), may receive a loan enabling them, among other things, to pay these fees. » (cit. Key Data on Education in Europe, 2005, cf. Fig.D18).

Resta-nos notar que desde então e até 2006 as coisas mudaram muito pouco, como dados mais recentes já disponíveis mostram. Em breve retomaremos este tópico.
HAF

sexta-feira, setembro 14

9815º Dia

O dia foi completamente dedicado a uma segunda análise das candidaturas ao 2º Ciclo (Mestrado) em Estudos Históricos Europeus uma vez que todos os candidatos admitos irão accionar os pedidos de equivalência, facto favorecido pela justa diversidade de vias de acesso proporcionadas por Despacho Reitoral dedicado ao ano de transição.

Não me surpreende se se vier a concluir que este ano haverá um aumento geral na procura os novos Cursos de Mestrado. A explicação deverá ter em conta uma grande diversidade de factores. Entre as motivações individuais (quer dos licenciados anteriores como dos recém-licenciados pré-Bolonha), além da oportunidade e do aumento da competição a curto prazo , o factor económico poderá ter sido um estímulo expressivo, na medida em que as propinas dos novos Mestrados baixaram significativamente por comparação aos custos que era necessário suportar para fazer a maioria dos antigos mestrados, sem necessitar de ter em consideração que nestes cursos , com duração legal de 2 anos, o prazo era , geralmente, insuficiente para concluir a tese e obter o grau. Em muitas áreas das CHS a realização da parte escolar e da tese deveria ocupar em média 4 anos, uma duração inaceitável para uma TM.

Em registo anterior referi-me à desigualdade social gerada pelas limitada cobertura da acção escolar nacional. Acho que uma parte da nossa classe política, tem hoje uma consciência mais viva de que é preciso fazer muito mais nessa matéria do que aquilo que foi feito nas últimas duas décadas.

No Ensino Superior muitos ainda deverão ter presente a “guerra das propinas” com o qual a dita “geração rasca” incendiou a vida académica e política (fez cair ministros) na primeira metade da década de 1990 (1991-1995) , “episódio” que já mereceu relatos, memórias e estudos muito interessantes (lembro por exemplo o de Ana Drago, publicado pelo CES/Afrontamento em 2004 ). Em 2003 ficaram sinais de uma nova onda contestatária. E, quero deixar claro, na minha opinião justa.

Não surpreende por isso que o actual Primeiro Ministro, ao anunciar o novo modelo decretado para os empréstimos aos estudantes, tenha desde logo assegurado que a curto prazo não se mexeria no valor das propinas (ou seja elas não irião ser agravadas até 2009-10). É sabido que em muitos países , mesmo entre as sociedades europeias, esta modalidade de apoio aos estudantes progrediu em simultâneo com o pesado agravamento dos custos escolares (taxas de inscrição e propinas) .

A trajectória do apoio financeiro aos estudantes do Ensino Superior em Portugal nas últimas décadas merece ser vista com mais detalhe. Durante a última “pequena” crise das propinas (2003), apesar do papel protagonizado por algumas associações académicas na divulgação das condições modestas de apoio financeiro prestado aos estudantes portugueses quando comparados aos seus congéneres europeus, a opinião pública portuguesa foi em parte manipulada por alguma opinião publicada. Foram excepcionais os jornais que fizeram um bom trabalho nessa matéria (lembro-me que o Diário Económico foi um deles, mas não posso escrever o mesmo de outros com muito maior difusão, como aquele que regularmente leio, o Público, que nesta matéria foi uma lástima).

Nas sociedades europeias, em particular nas que integram a União Europeia, onde se intensificam os instrumentos para a livre circulação das pessoas e dos diplomas, a questão do apoio financeiro aos estudantes em geral, e aos do ensino superior ou terciário em particular, não podem continuar a ser vistos numa perspectiva estritamente nacional. As desigualdades nacionais nessa matéria já se repercutem e repercutir-se-ão ainda mais num futuro próximo. Se fracassarem as metas recomendadas pela agenda de Lisboa até 2010, corremos um risco sério de as sociedades europeias integradas gerarem uma duradoura hierarquia de sociedades fixada pelas profundas desiguldades quanto aos níveis educativos obtidos.

O que espero é que sejam sinceras as preocupações que algumas das mais gradas figuras da hierarquia do Estado tem manifestado recentemente (sinal que já leram ou foram informados sobre a posição nacional nos relatórios europeus de 2007). O discurso pró-inclusão não é lateral. Espero ainda que isso se traduza não em “novas políticas”, mas em “boas políticas”. E espero também que a opinião pública esteja capazmente informada para poder perceber o alcance (a bondade) daquelas. Podemos todos contribuir um pouco para isso.

O recente Decreto-Lei sobre os empréstimos aos estudantes (publicado em DR a 7 de Setembro) é uma oportunidade para vermos com mais atenção um aspecto concreto, o do apoio financeiro aos estudantes, cujo incremento substancial já não merece dúvidas é relevantíssimo (um dos decisivos) para o reforço do nosso nível educativo pois só ele permitirá assegurar que a parte mais expressiva dos nossos jovens prossiga estudos (com novos objectivos) muito para além da escolaridade obrigatória com possibilidade de o fazer com sucesso. Este é pois, um dos assuntos da minha agenda para os próximos dias, mesmo que essenencialmente focalizado no ensino terciário.
HAF

quinta-feira, setembro 13

9814º Dia

A chuva lavou a terra, limpou a alma das coisas e deixou aquele perfume que por vezes recorda os odores das anharas africanas em particular quando fustigadas por tempestades convectivas.

O dia académico foi inteiramente ocupado com a reuniões preparatórias do ano lectivo. De manhã na Comissão de Curso de Estudos Históricos Europeus analisamos os processos de candidatura, decidimos sobre a proposição da aceitação dos candidatos, calendarizamos as actividades lectivas, e, partindo dos objectivos do programa de formação, definimos as orientações gerais quanto às formas de ensino, material educativo e instrumentos e critérios de avaliação. Na parte da tarde ocorreu a reunião do Grupo de História Contemporânea onde a atenção centrou-se nos mesmos tópicos , mas para as disciplinas que o grupo leciona no Curso de História (1º Ciclo). O planeamento incluíu ainda a escolha da região de visita de estudo anual integrada nos conteúdos das diversas disciplinas. Houve ainda oportunidade para trocar impressões sobre o tema para um ciclo de conferências para o início de 2008. A discussão de algumas das matérias referidas mostra que a incorporação nas práticas de ensino de dimensões fulcrais da “bolonhização” terá de ser faseada, uma transição inspirada nos resultados da experiência. Assim vejo este ano lectivo.

Do resto registo o comentário do Dalai Lama, à inaceitável “realpolitik” ou “diplomacia do interesse nacional”: “Trago o sorriso, não quero embaraçar ninguém”. Um abraço, solidário , claro.
HAF

quarta-feira, setembro 12

9813º Dia

As modalidades de avaliação dos estudantes no ensino superior são bastante diferenciadas. Grosso modo distribuidas por duas modalidades gerais ( a avaliação contínua e a avalição em regime de exame final) , uma e outra podem ser bastante diversificadas quanto aos elementos que compõem o pacote da avaliação de cada uma das disciplina. Com a “Bolonhização” a diferenciação poderá acentuar-se um pouco, mas o mais útil e vantajoso para o estudante, tanto do ponto de vista da aprendizagem como do sucesso escolar, é aumentar os elementos de avaliação (por módulos temáticos curtos e resultados independentes) . Até agora, nos cursos de mestrado em Ciências Humanas e Sociais imperou também a variedade, inlcuindo o “teste escrito final “,de tipo tradicional, (o que sempre me pareceu estranho ao espírito destes programas de pós-graduação). Ora o dia começou exactamente com a leitura de um trabalho realizado no âmbito de uma disciplina do Mestrado de Relações Internacionais de cujo júri sou presidente. Sobre os méritos cientificos do trabalho não me devo pronunciar neste lugar, mas posso deixar aqui registado o meu agrado pela grande qualidade literária, um atributo que já foi mais popular entre estudantes do ensino superior (facto que deve ser motivo de preocupação para todos).

A seguir veio trabalho pesado, mas essencial. Tratei de ler detalhamente os processos individuais dos candidatos ao 2º Ciclo de Mestrado de Estudos Históricos Europeus. Três tipos de candidatos: os alunos que, provenientes de edições anteriores, pretendem re-ingressar ou transitar para o novo programa de estudos que agora inicaremos; os estudantes “finalistas” que para efeitos de prosseguimento de estudos transitam/podem acumular algumas disciplinas do 1º Ciclo (para o oncluir) com a frequência do 1º ano do 2º Ciclo com base em normas especiais que se aplicam a a esta fase de transição; os licenciados e mestres nacionais e estrangeiros, alguns deles jovens licenciados, ausentes do mercado de trabalho e outros já nele integrados há muitos anos , que se candidatam ao curso pela 1ª vez. Grande diversidade de situações, formações de base e de normas e procecdimentos a adoptar. Tudo ficou alinhavado para a reunião de amanhã. E com isso chegou a noite e ajudei o funcionário a fechar o Palácio Vimioso que encerra às 20 horas.

O serão foi centrado no Portugal- Sérvia(um empate justo, decepcionante mas não surpreendente). Surpreendente e muito reprovável a atitude de Scolari.

Não posso deixar de comentar o “acontecimento educativo” do dia: o nosso primeiro ministro e mais uma mão cheia de ministros , numa incursão por várias escolas a distribuir computadores à “tripa forra” entre alunos e professores, no âmbito “Iniciativa para generalização da utilização de computadores e Internet: Oportunidades, Escolas, Professores ”(IGUCI-OEP, a sigla é de minha lavra) . O episódio não pode deixar de ter os seus detractores políticos. O espectáculo é legítimo e faz parte da vida democrática. Embora ficasse bem alguma contenção. Agora que a iniciativa é muito boa, é, sem sombra de dúvidas. Pelo volume de inscrições, parece que os professores e alunos estavam à espera da IGUCI-OEP . É bom que todos os políticos a achem útil, indispensável. É também bom que todos os professores e estudantes , de todas as escolas, disponham o mais breve possível do seu voucher (e não parece ser o caso, o que é lamentável). Mas o mais importante é ter em conta que a extensão da utilização destas tecnologias necessita de ser acompanhada por formação ética quanto à sua utilização , nomeadamente (mas não exclusivamente) no plano escolar. Não vale a pena correr o risco de criar um exército de plagiadores , involuntários ou não só.
HAF

9812º Dia

Um dia definitivamente inscrito na história do extremismo, pela tragédia de 11 de Setembro 2001 e pelas sequelas dramáticas que, em alguns casos oportunisticamente despoletou. Os jornais darão naturalmente enfâse à esta efemêride que envergonha a Humanidade (espero que se sobreponha ao Caso McCann) e alguns deles, os “optimistas”, não deixarão de acentuar que desde então o combate ao terrorismo tem tido algum sucesso (pelo menos o “Ocidente” ganhou capacidade para neutralizar os atentados em "casa"; agora eles apenas são bem sucedidos noutras arenas …). Os menos cínicos dirão que estamos mais inseguros e a perder o combate. Ninguém consegue superar esta incerteza.

A cirurgia a que estou a submeter a Historical Sample Portugal Social Mobility prossegue. Mas o dia trouxe outras novidades. A mais interessante do ponto de vista académico foi sem dúvida a publicação em Diário da República (com data de ontem) do DL 62/2006, que fixa o novo Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior. Uma matéria que desde o início do verão ocupou parte expressiva da acção e reflexão política académica. A versão final do documento merece uma leitura atenta. Antes de o fazer ficam aqui uma notas

O quadro jurídico que regulava as instituições do ensino superior -.desenhado a partir de 1988 (Universidades) e de 1990 (Politécnicos)-, no caso das Universidades tinha conduzido a uma situação institucional insustentável. É verdade que a qualidade do funcionamento instituicional variava um pouco de umas para outras Universidades e mesmo entre Faculdades da mesma Universidade, mas de um modo geral as apreciações eram bastante negativas. Em algumas instituições, em especial as mais pequenas, mais recentes , com uma cultura académica pouco enraizada, instalaram-se e consolidaram-se grupos e redes de influência que, alternando e coligando, durante mais de uma década as controlaram quase a seu bem prazer. Os níveis de burocratização irresponsável da vida académica acenturam-se, o voluntarismo instalou-se agarrado à arrogância e autoritarismo das ditas maiorias democrátricas, a autoridade académica legítima (a da competência) degradou-se e em muitas delas notou-se um acentuado declínio e desprestígio. Isto era já visível nos finais dos anos 1990 .

No inícios do século XXI algumas universidades já estavam “viciadas “ em más práticas e o seu principal problema era notoriamente de ordem institucional. A solução poderia ter sido antecipada e invertida mesmo com base no antigo quadro jurídico, procedendo-se a reformas estatutárias que estavam então ao alcance. Mas as Universidades não foram capazes de tomar a iniciativa e tiveram que aguardar uma “intervenção externa”. É sempre lamentável, mas torna-se frequentemente inevitável.

O novo regime está longe de ser perfeito e temo mesmo que em alguns aspectos centrais venha a mostrar-se excessivamente frágil. Mas não me parece que globalmente seja pior que o anterior. Acho também que se poderia ter aproveitado a oportunidade para mudar para algo mais sólido, mais europeu mais consonante com a experiência e as culturas universitárias europeias e com as realidades sociais portuguesas. Isso não era incompatível com as recomendações do relatório da OCDE publicado em final do ano 2006. E não tinha ficado mal um debate mais sério sobre a proposta do governo. A pressa quase sempre dá mau resultado. E neste caso é notório que houve pressa (recorrendo até a práticas políticas feias) , Notam-se bem sinais dela na redação do decreto. Dá sempre mau aspecto a repetição literal de artigos ou de pontos de artigos.

Os detalhes – e eu também goto dos detalhes pois neles está quase sempre a qualidade - do RJIES não deixarão de proporcionar comentários nos próximos dias. As críticas mais vigorosas chegarão com a aplicação do novo regime. Alguns dos “perigos” que tem sido identificados, tornar-se-ão um facto se as “elites de poder” nas Universidades entrarem em “delírio obreirista”, como é de temer em alguns casos. É preciso lembrar que há uma tempo útil razoável para se fazer o ajustamento. O fundamental é faze-lo bem feito: identificar o leque de soluções, e escolher as mais adequadas no interesse da instituição e não de grupos de poder formal ou informal. O quero aqui registar é a minha posição de princípio: acho o novo quadro legal bastante superior, mais flexível e mais responsabilizante do que ao anterior e se aplicado com muita, muita sensatez, proporcionará uma mudança institucional de que as nossas Universidades e , em particular, a minha estão há demasiado tempo necessitadas.

Registo uma nota final para o Programa Prós e Contra da RTP ontem dedicado ao caso da Família Inglesa : uma pivot indigente em quase tudo, como sempre ( inesquecíveis osdebates sobre questões da Educação) e um painel de convidados que só num ou outro caso escapou àquela mediocridade. Um cansaço. Definitivo.
HAF

segunda-feira, setembro 10

9811º Dia

O processo de classificação das profissões históricas para Portugal está a ganhar um novo rítmo. Mas tenho pela frente muitas horas de trabalho.

O momento é também de afinação do plano geral de trabalho para o ano lectivo. Os alunos começarão a chegar em breve. O serviço docente está distribuido desde o passado mês de julho, e não haverá ajustamentos expressivos a fazer. O Grupo de História Contemporânea já tem uma tradição de planeamento e coordenação solidamente enraizada. As coisas estão facilitadas. Esta semana vamos essencialmente afinar os programas e os métodos de ensino tanto para os estudantes finalistas do 1º ciclo (em adequação a “Bolonha”) como para os do 2ºCiclo (EHE) . O propósito é facultar os recursos (que no plano institucional são muito modestos) e as condições mais favoráveis ao desenvolvimento pelos estudantes do auto-estímulo e do estudo independente. Vamos fixar as actividades cruzadas, aquelas que serão programas e desenvolvidas com a colaboração dos estudantes para o conjunto das disciplinas do grupo nos cursos de História e Arqueologia. O modelo geral de avaliação manter-se-á, promovendo-se a avaliação contínua, mas discutiremos a adopção de um esquema que parece ser mais eficaz(avaliação contínua por módulos).

Comecei a ler em detalhe os relatórios nacionais saídos em 2007 e publicados pela Eurydice sobre as “Structures of Education, vocational training and adult education systems in Europe”. O leitor familiarizado com estas matérias sabe que além do site geral da organização existem unidades nacionais em cujas páginas encontra também a informação aqui referida (se tiver alguma paciência consegue fazer o download) . Estes relatórios governamentais são periódicos, uns gerais outros sectoriais ou tematicamente especializados. Em 2000 foi publicado um importantíssimo documento sobre o ensino superior: "Vingt Annés de Réformes dans l`Enseignement Supériur en Europe: de 1980 à nous jours”, com uma excelente análise comparativa. Em 2002/3 publicaram-se os primeiros relatórios dedicados a uma visão de conjunto das estruturas educativas. Dos disponíveis os mais tardios são de 2007. Os do Uk, Alemanha e Irlanda são de 2003 (e é pena), enquanto o da Finlândia é de 2007. O de Portugal integra também o último grupo (Estruturas de ensino, de formação profissional e de educação de adultos em Portugal 2006-2007): é fácil imaginar que o documento reporte uma realidade anterior às medidas políticas paulatinamente anunciadas nas últimas semanas. Para outros paises não existe disponível quaisquer dos relatórios gerais (ex. Dinamarca). As dificuldades de informação incluem naturalmente o grupo de países do 5º alargamento (2004). Todavia, independentemente destes desencontros (que podem ser pontualmente superados por outras fontes), é possivel comentar aqui alguns aspectos dos sistemas educativos das sociedades europeias.

Vou fechar o dia com o jornal o Público que ainda não pude folhear. O que espero é, na próxima quinta-feira ter disponível , no posto de venda que há muitos anos me reserva o jornal , o 10º jogo da “Colecção Jogos com História” que o mesmo está a distribuir de uma forma completamente desastrada. Aliás, registo em Évora a mesma dificuldade que já tivera em Burgau e Lagos. Coisas de empresas portuguesas.
HAF.

domingo, setembro 9

9810º Dia

sábado, setembro 8

9809º Dia

Acordar de madrugada é um dos meus prazeres. Deu para passar os olhos pelo jornal de ontem, que ficara mal lido, espreitar o e-mail e a imprensa online (muitas vezes só com tempo para ver os grandes títulos).

Tirei uma parte do dia para os relatórios científicos e preparação dos documentos para apresentação de despesas(júris, projecto, etc). Esta é uma actividade em que além da expressiva fatia para autofinanciamento , temos de avançar com meios financeiros próprios para satisfazer uma parte das mesmas, com direito a reembolso muitas semanas e mesmo meses depois. Para se ter uma ideia,no passado mês de Julho, as provas académicas cujo júri integrei obrigaram-me a percorrer cerca de 1100 km e estive cerca de uma semana fora de casa.

Depois fui às compras, online claro. Tinha referenciado uma meia dúzia de livros franceses e tratei de os encomendar durante a tarde. Fiquei ainda com tempo para importar e ler alguns dos documentos que a Euridyce , nome de uma das ninfas da Antiguidade (“aquela cuja justiça é sábia”)que actualmente dá identidade a uma rede institucional da UE criada em 1980: “The information network on Education in Europe”. Para quem pretenda ter uma visão comparativa das estruturas e organização educativas nas sociedades europeis, é uma consulta quase insubstituível.

O dia acabou com o visionamento, em fragmentos, do jogo entre as selecções de futebol de Portugal e Polónia. O resultado, justíssimo, foi um desaire de “média potência”, mercê dos resultados obtidos por outras selecções do grupo.Temos na selecção jogadores que estão lá por mérito, mas há outros que não, de todo. A equipa está desiquilibrada, notoriamente.

Mérito... Um termo que tem saltitado muito de boca em boca nos últimos dias. O Ministro da CTES utilizou-o para identificar uma das orientações essenciais no novo progama de apoio aos estudantes do Ensino Superior através de um modelo de apoio financeiro específio (empréstimo universal). A solução adoptada permite um encargo inversamente proporcional ao desempenho do estudante, o que me parece justo. Genricamente o instrumento adoptado é democrático , promove a independência dos jovens e o valor da responsabilidade. É por isso bom para o reforço da cidadania. Mas deixa algumas sombras.

Para o jovem estudante uma das dificuldades persistirá na transição do sistema de ensino para o mercado e no choque de valores que a acompanha. A sociedade portuguesa assenta na, ou valoriza de facto a, cultura da responsabilidade e do mérito? Qual o peso que estas qualidades têm actualmente em Portugal nas oportunidades e promoção sociais?

Fialho de Almeida (1857-1911), que se via como “um decadente, num mundo decadente”, retratou os portugueses, em “O País das Uvas” (1893), como um povo de arrivistas, oportunistas, falidos, infelizes, pobres e mendigos. Uma imagem severa que ressalta nos diversos tipos sociais que traçou de forma tão sarcástica e miserista. Naturalmente excessiva. Provavelmente incompleta.

Hoje, alguns países estão associados a (e empenhados em assegurar ) uma imagem pública de “faire play” , de “jogo honesto”. Trata-se de um atributo cultural que se impregnou à medida do avanço da “Terceira Revolução “ e da Sociedade Meritocrática, por oposição à sociedade dos privilegiados. Ora, visto por este prisma Portugal é ainda “O País da Batota” ou seja do “jogo desleal” (GDLP)). A Finlândia, agora muito referenciada, é um exemplo indiscutível desta cultura moderna.

O que pensarão os jovens sobre a eficácia social e individual do mérito e da responsabilidade quando assistem no dia a dia a episódios associados à prática do plágio [que no seu seio também progride];às sagas dos apitos futebolísticos; às práticas de financiamento ilegítimas por parte de organizações políticas da área do poder; ao pagamento de favores políticos; à escandalosa leveza (ia escrever leviandade) como se fixaram os “júris” e as actividades pontuáveis para efeitos de concurso para professores titulares; a obtenção de credenciações académicas de forma duvidosa por parte de personagens bem sucedidas; à forte persistência do “factor C” no acesso ao, e na promoção dentro do, mundo do trabalho, etc, etc… Ou ainda ao concomitante e notório sucesso da cultura da irresponsabilidade . Veja-se como na generalidade das instituições a má gestão, os maus resultados, as más práticas, não penalisam os seus responsáveis, pelo contrário, parece quase sempre favorece-los.

De facto, se folhearmos os jornais dos últimos mêses , se olharmos para o percurso de algumas instituições na última década, facilmente percebemos como o a presença do “jogo desleal” e a ausência de uma “accountability” social, ética e profissional activa são elementos que se posicionam no topo da lista das nossas más práticas sociais e institucionais, afectando todos os segmentos da vida nacional. Isto acontece tanto por acção deliberada, como por incompetência, ligeireza e obreirismo. Nuns e noutros casos, quase sempre sem conseqûencias, que não os custos sociais que todos partilhamos. Como promover uma cultura de mérito e responsabilidade se as elites se querem ver excluídas das implicações que aquela induz ou se a generalidade das instituições não têm valores e princípios de acção definidos com clareza e cumpridos sem vacilar?

O exemplo das elites (que se pretende por mério e não por privilégio) é fundamental e é a partir dele que se contamina o todo social. No que toca ao mérito e à responsabilidade os estudantes devem encontrar o mesmo ambiente quando transitam da Escola para o Mercado. O esforço que a elite governante tem desenvolvido para introduzir a responsabilidade na acção e o mérito na promoção da (e no acesso à) Função e Instituições Públicas dificilmente não esbarrará no “jogo desleal” e na não-“accountability” se não existirem valores claros (“It is impossible to have true accountability unless everyone knows what they are accountable for” ,J.S. Lanich 2007) e mecanismos realmente eficazes para neutralizar os desvios e as "fraquezas humanas". E não existem, nem uma coisa nem outra. E todos sabemos que não existem. O “País da Batota” é mais “faça o que digo e não o que eu faço” e do amiguismo.

O país precisa muito de reformas, extensas. Estou de acordo. Mas a história das últimas décadas mostra o custo societal das que se fizeram em cima do joelho, como a ampla maioria das dedicadas à Educação, as quais acentuaram o nosso afastamento e, em alguns aspectos, geraram um dramático retrogresso. A reforma pela reforma tornou-se uma tentação, um vício, que contaminou as instituições e desvastou muitas delas. São conhecidos os responsáveis, irresponsabilizados. Ora, o fracasso nunca nos deixa no mesmo sítio. O que é um aborrecimento, para todos.
HAF

9808º Dia

"Penso che una vita spesa per la musica sia una vita spesa in bellezza ed è a ciò che io ho consacrato la mia vita." (Luciano Pavarotti, 1935-2007)

O dia de trabalho começou um pouco tarde. A manhã sumiu-se na burocracia associada ao cargo de Director do Curso de Mestrado de Estudos Históricos Europeus. Temos alunos para o novo curso. Ora aí está uma boa notícia.

Chegou há dias o último número da Histoire & Sociétés, Revue Européenne d'Histoire Sociale, revista científica fundada em 2002, pela associação Group d`Histoire Sociale, um grupo de jovens cientistas sociais franceses constituido em 1996-97, movidos por um interesse “résolument comparatiste” da História das Sociedades Europeias. A revista é dirigida por Philippe Frémeaux , director chefe de Alternatives Economiques, destina-se ao grande público e oferece números temáticos, focalizados nos séculos XIX e XX, orientados por uma abordagem europeia sistematicamente comparatista, global e pluridisciplinar (cf. Editorial, nº 1). O grafismo é magnífico. E os 22 números até agora publicados são genericamente fiéis ao compromisso editorial com uma agenda historiograficamente moderna e de uma grande diversidade temátiva. O número anterior centrou-se nas dinâmicas de integração técnica nas sociedades europeias do Século XIX. No mais recente, o que tenho em mãos (120 pp.), o dossier é dedicado aos Ferroviários , às representações e jogos de identidade deste grupo social e profissional. Além de fruir das gravuras sobre o millieu ferroviário insertas nas páginas centrais, o leitor pode desde logo ler dois artigos interessantes e bem ilustrados sobre o tema: “Images de cheminots, XIXe-XXe Siècle”, de Marie-Suzanne Vergeade, historiadora e responsável pelo Fundo ferroviário do “Comité central d´Entreprise de la SNCF” (Societé Nationale des Chemins de Fer) ; “Le cinema et les cheminots: approche croisée du cinéma documentaire des origines”, assinado por Michael Ionescu (doutorado em pesquisas cinematográficas e audiovisuais, Paris III) . A magnífica introdução ao dossier, um texto que toma como ponto de partida a formação da cooperativa “Populart” (1978) e a execução de “La Fresque de la Renaissance (1982, Oullins)” e está titulado de “La fresque, la ville, les cheminots”, é de autoria de Christian Chevandier , “Maitre de Conférences” em História Contemporânea na Paris I, investigador do CHS XXe Siécle, e autor de “Cheminots en grève, ou la construction d’une identité (1848-2001)”[ Paris, Maisonneuve et Larose, 2002]. Fora do dossier pode ler-se um artigo sobre os trabalho do "Facteur" [Factor, aquele que numa empresa de transportes é o encarregado pelo transporte e remessa de embrulhos, bagagens e mercadorias (GDLP)] nas cidades dos anos 1950-1970s (Marie Cartier). Também como enorme motivo de interesse são as 40 páginas (quase um segundo dossier ) centradas/ dedicadas ao recém-falecido Jean-Pierre Vernant (1914-Jan.2007), reputado historiador e antropólogo helenista (i.e., especialista na Grécia Antiga) mas também soldado, homem de paz, militante ( do PCF entre 1930s-1969) , patriota (herói da Resistência), filósofo da Cidade, e professor do Collége de France, merecedor das muitas distinções políticas e académicas que recebeu em vida. Da sua autoria, na minha biblioteca, como leitura do tempo de estudante dos primeiros anos do Curso de História em Coimbra (1975-80), conservo Les Origines de la Pensée Grecque (Paris, CNRS, 1962) e Mythe et Societé en Grèce Ancienne (1974), edição da Maspero. Lembro-me vagamente dos seus contributos (artigos?) para o estudo do esclavagismo naquela época histórica.

Cá fora o país submerge de novo no drama da família MacCann (um banquete de casamento latino para as imprensas), enquanto os MNE da UE passam com alguma discrição e os itatianos, os europeus e o Mundo despedem-se do “grande” e “bello” Luciano Pavarotti , o “tenor das multidões” (O Estado de S. Paulo ). “Arrivederci” Tonio.
Évora, B. Degebe, 7 de Setembro
HAF

quinta-feira, setembro 6

9807º Dia

A etapa mais arrebatadora da investigação histórica é a que dedico à elaboração da narrativa final.As etapas mais divertidas são as iniciais: primeiro, a construção do tópico de pesquisa e a determinação da direcção que esta vai efectivamente tomar, o que implica a escolha de procedimentos vinculados às gramáticas do trabalho científico em geral e das Ciências Históricas em particular; depois a colecta da informação, o que quase sempre está associado à exploração cruzada de fontes previamente definidas e por vezes “descobertas”. A mais dura, fundamental, é a fase dedicada à preparação dos dados para os sujeitar ao processo analítico e à exploração das hipóteses interpretativas.

É nesta fase do trabalho que se encontra, em parte, o projecto de investigação dedicado à Mobilidade Social em Portugal.O objectivo é uma análise histórica extensiva daquele fenómeno na sociedade portuguesa dos séculos XIX e XX. Com uma base de dados sobre os intervenientes em mais de 13800 casamentos (faltam cerca de um milhar de registos para a fechar, tarefa que o Bolseiro está a concluir) ocorridos em Évora, Setúbal, Barreiro e Figueira da Foz, essencialmemente entre 1911 e 1965, foi necessário em primeiro lugar assegurar a normalização dos registos e em particular a dos títulos ocupacionais (profissões) e outros termos indicadores de status social e profissional. A equipa do projecto já tinha ensaiado os principais procedimentos quando dispunhamos apenas de um terço dos dados.Agora estamos a rever aquele primeiro exercício e a estende-los a toda a base de dados.

Neste momento a bola está nas minhas mãos. Trata-se da tarefa (essencial) de codificação dos títulos ocupacionais, a partir da forma como aparecem indicados nas fontes, e da sua classificação em grandes grupos. A tabela contêm 4827 entradas mas no final deve reduzir-se a cerca de 1500-2000 títulos. O processo assenta na aplicação um esquema de codificação construido a partir de investigação histórica realizada em diversos países da Europa (HISCO). A ideia inicial, levada a cabo por uma equipa internacional, foi a de se criarem condições de base sólidas para o desenvolvimento de projectos de investigação histórica sobre mobilidade social comparativa (HISMA)

A tarefa da codificação é árdua, exigente na concentração e muito, muito lenta. Para a levar a efeito tenho, na minha mesa de trabalho, como instrumentos de apoio, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, do José Pedro Machado; vários dicionários bilingues, incluindo um excelente English-Portuguese Comprehensive Technical Dictionary (1168 pag.), de Lewis L. Sell, publicado em 1953 e que me custou, há dez anos, meia libra numa banca da Biblioteca da Universidade de Reading; os 3 volumes da Classificação Nacional das Profissões (versão provisória), editado em 1968 pelo SNE, documento que disponho também em suporte electrónico com motor de pesquisa; o Hiscodes for Catalonia (2002) dirigido por Enriqueta Camps; e ainda 1000 Ocupações Históricas (2000), Coord. por Nuno Luis Madureira (por vezes online: http://www.paco.iscte.pt/PACO/e_index.html). Tenho também aberta uma versão electrónica parcial da variante da União Europeia do novo International Standart Classification of Occupatios (ISCO-88). Mas , além da CNP e do PACO, os dois principais instrumentos de trabalho são o livro HISCO. Historical International Standart Classifification of Occupations (2002), de Marco H.D. van Leeuwen et al. e o sistema de codificação assistida por computador (on-line) criado a partir dele e que actualmente inclui dados para 12 países, incluindo Portugal (History of Work Information System: http://hisco.antenna.nl ). E aqui jornadas se consomem.

Um dia sem olhar para os jornais e sem TV e com pouco tempo para a família (a verdade é que o tempo que lhe é dedicado é sempre pouco).
HAF

9806º dia

Um dia atormentado de vergonha…..não pelo trabalho, mas logo cedo, pelas notícias. Vários orgãos de imprensa divulgaram e comentaram negativamente dados recentes de um dos indicadores de referência usados para medir o “nível de educação” . Trata-se da taxa de abandono escolar precoce entre os 18 e 24 anos de idade ( a % dos jovens dos 18 aos 24 anos que não concluíram o primeiro ciclo do ensino secundário e que não prosseguem estudos ou formação) que , como os jornais noticiaram, conheceu em Portugal um ligeiro agravamento de 2005 para 2006. Os dados foram preparados e publicados pela Eurostat no passado mês de julho . Para 2000 e 2005, podem ser vistos em Europe in Figures. Eurostat Yearbook 2006-07 (European Communities, 2007). A Eurostat disponibiliza uma série de longo prazo, desde 1995, e é nela que estão já incluídas as taxas nacionais para 2006 (http://epp.eurostat.ec.europe.eu/pls/portal/url/page/PGR_QUEEN/)

Estes dados mostram que, em Portugal, pelo menos desde 1995, a taxa de abandono escolar total é , de longe, de forma persistente , e ao lado da de Malta, a mais elevada entre as sociedades europeias , ou na Europa dos 15, 25 ou 27… Mas mostra algo mais terrível: a distância de Portugal face àquelas sociedades e à média europeia (países integrados) agravou-se. Em 1995, a taxa de abandono escolar precoce era de 26,2% na EU dos 15 e 41,4% em Portugal; em 2006, aos 39,2% de Portugal, contrapunham-se 17% (EU15), 15,1%(EU25) ou 15,3%(EU27).

A prolongada estabilidade da taxa de abandono escolar em Portugal na última década (em torno dos 40% ) não se detecta na maior parte dos países europeus, que na larga maioria, partindo de níveis já bastante inferiores, conheceram um recuo moderado ou acentuado deste indicador. Uma das excepções é a Espanha, que estabilizou à volta dos 30%, quando a Itália, que partiu de um nível equivalente, conseguiu limitar a incidência do abandono escolar a 20% dos jovens.

Os resultados nacionais desta última década são um duplo desastre. Por um lado, e apesar da amplitude anual ter oscilado , como o pico em 1998 (46,6%) e a maior cava em 2005 (38.6), Portugal não conseguiu distanciar-se com clareza do patamar em que estava em 1995. Por outro lado, Portugal, um país débil em recursos humanos, deveria ter reduzido o grande afastamento histórico da média europeia, e não só não o fez como o viu agravado. E não chega dizer que foi “apenas” uma década perdida. É preciso dizer que foi uma era desbaratada, apesar das condições excepcionais que disfrutamos em termos de recursos financeiros.

Isto não tinha que ser assim. Muitos países europeus reduziram expressivamente a taxa de abandono escolar, em especial os que em 1995 estavam a meio da tabela. Alguns fizeram um esforço notável nesse sentido (Grécia e Irlanda p.ex.).
Os primeiros responsáveis por este insucesso educativo (que outros indicadores complementam com absoluta clareza) são os políticos, nomeadamente os chefes de governo, os ministros da Educação e os seus conselheiros, e o Parlamento e as suas maiorias duradouras ou circunstanciais. Ponto final. Devem ser chamados à responsabilidade social e, em especial, ajudava muito que deixassem de manter a influência que muitos ainda mantêm neste campo. É claro que neste país, onde a responsabilidade é tida como valor de baixa conta, a propensão é para a distribuir , num exercício de democracia. Naturalmente é muito mais fácil partilhar a “culpa” dos resultados educativos estruturais com as instituições escolares, os professores, os sindicatos, os pais, o povo português , etc. A fragilidade da nossa "sociedade civil" e o individualismo "parolo" da nossa classe média não ajudam nada, é verdade.

A Senhora Ministra da Educação procurou desvalorizar os dados da Eurostat . Retenho o seu argumento. Sigo o Correio da Manha (online): «Segundo a ministra, estes dados [os da Eurostat para 2005 e 2006] referem-se ao segundo trimestre de 2006 e apenas reflectem o ano escolar de 2005. “Os dados do segundo trimestre de 2007 reflectem já os resultados escolares de 2006 e aí a melhoria é de três por cento, baixando o abandono escolar para os 36,3 %, o que é muito significativo», entendendo por isso que «o ritmo de recuperação é surpreendente e muito melhor». O que deveria surpreender é o facto de num tão longo período de quase estagnação económica, e de tantas reformas no sector da educação, em geral duas condições favoráveis, a resiliência escolar não tenha aumentado expressivamente. É preciso encontrar uma explicação para a crescente quantidade de jovens , especialmente do sexo masculino, que estão fora da escola e de programas de formação, de norte a sul do país. E o principal motivo é de facto de ordem social: pobreza e empobrecimento com políticas de acção escolar no básico, secundário e superior débeis. Estão a tentar mudar as coisas agora, muito bem. Contentamo-nos sempre com o dito português: mais vale tarde do que nunca.

Todavia, um facto merece ser relevado. Portugal dificilmente conseguirá aproximar-se significativamente da meta mínima que, em matéria de o abandono escolar, a União Europeia fixou para 2010: “Até 2010, todos os estados-membros deverão reduzir a taxa de abandono escolar precoce, no mínimo, para metade, comparativamente a 2000, a fim de atingir uma taxa média na União Europeia (EU) igual ou inferior a 10%” (Cf. Parâmetros de Referência Europeus para a Educação e Formação) . Até 2010 Portugal deveria, pois, fazer recuar a taxa de abandono escolar para a casa dos 21-22%, uma meta que já é quase matematicamente impossivel de alcançar (tal como para Malta) . Os ligeiros ganhos dos últimos anos são muito modestos para lá chegarmos. Também dificilmente (impossível?) chegaremos aos parâmetros fixados para as taxas de conclusão do ensino secundário (25-64 anos, 80%) , melhoramento da qualidade do ensino e formação e da participação na aprendizagem ao longo da vida. Em 2010 a probalidade de dizermos adeus à “Europa” e muitíssimo maior do que a de dizermos “também aqui estamos”. Uma vergonha. Espero estar cá para ouvir as explicações dos primeiro-ministro e ministro da educação de então. Certamente ouviremos argumentos inteligentes , os do costume, com algumas manobras de estatísticas para mostrar que as coisas não estão tão más como a gente está mesmo a ver que está. E depois pronunciar-se-ão os grandes reformadores na imprensa, de preferência ex-ministros ou os “peritos” generalistas. E nós, distantes, agora de quase todos (ficamos com Malta, Espanha……)

Para além das preocupações associadas à magna “questão da educação”, com uma agenda já “irritante” porque persistentemente centrada em aspectos tão básicos, o trabalho académico do dia centrou-se na investigação em curso sobre a Mobilidade Social em Portugal , e em particular na preparação dos dados para uma revisão das primeiras análises extensivas que fizemos para 1911-1957. Compromissos editoriais exigem esta concentração. Nesta fase do trabalho estou a codificiar e classificar os títulos ocupacionais, adoptando critérios internacionais (HISCO, HISClass) . Tarefa para alguns dias.
HAF

terça-feira, setembro 4

9805º dia

Um dia integralmente dedicado à “Historical Sample Portugal Social Mobility”, base de dados na qual foram hoje integrados mais 1677 registos, depois de submetidos aos procedimentos de harmonização. Os registos de casamento já colectados (Évora, Setubal, Barreiro, Figueira da Foz) são quase 13.000. Tudo preparado para retomar o processo de codificação das ocupações dos noivos, progenitores e testemunhas/padrinhos.

O jornal Público, na edição de hoje, faz uma referência breve às medidas anunciadas pelo ME para estender a taxa de cobertura da (e ampliar a ) acção social escolar no Ensino Secundário. São boas notícias. Certamente contribuirão para reduzir as barreiras de ordem social que dificultam uma maior fluidez entre o Básico e o Secundário ou forçam o abandono durante a frequência deste.

A Universidade do Minho divulgou ontem “as principais conclusões da avaliação e recomendações constantes do Relatório Final da Avaliação Institucional concluído em Julho de 2007 pela European University Association” . A imprensa noticiou o facto e não deixou de sublinhar as conclusões essenciais: o elevado desempenho da instituição (ensino de elevada qualidade para os padrões internacionais; elevado grau de internacionalização) e o garrote financeiro que trava o seu desenvolvimento . Todavia, daquele relatório final relevo ainda mais dois aspectos por ele justamente assinalados : a visão clara dos objectivos estratégicos e a cultura de qualidade que marcam a instituição. Para um conhecimento mais detalhado , recomenda-se a consulta das principais peças de todo o processo de avaliação institucional já disponíveis on-line (www.uminho.pt).

A Universidade de Évora submeteu-se a igual avaliação. Todos aguardamos pelo resultado e pela divulgação pública e integral dos documentos.
HAF

segunda-feira, setembro 3

O meu gabinete


9804º dia

Um “recomeço” preguiçoso. O gabinete , modestamentee equipado, é partilhado com um colega que muito estimo e é um dos colaboradores mais próximos. Hoje estarei certamente sozinho, pois o outro “residente” está “de baixa”, incomodado com a prolongada recuperação de uma intervenção cirúrgica agendada e realizada para meados de Agosto para não prejudicar a actividade académica. Em contrapartida, encontrei dois colegas e amigos, elementos do grupo de História Contemporânea. Conversamos sobre as férias, as virtudes turísticas do interior, a condição física, e os alunos do 2º Ciclo.

No correio postal, um molho de cartas quase inúteis, uma invulgar colecção de ofícios da FCT sobre a execução financeira e relatório final do projecto sobre a Mobilidade Social em Portugal (1850-1970) , catálogos de livros e quatro convocatórias de júris académicos (de provas de agregação e lugares de catedrático) para os próximos dois meses, prosseguindo assim a “maratona” de Julho , com uma semana fora de casa a “papar” júris. Este tipo de tarefa faz parte do ofício, deve ser levado de forma muito séria, e por isso consome muitas horas de trabalho ocupadas em leituras, pareces, preparação de arguições e relatórios. E em geral tiro delas um grande prazer, beneficio que recolho de quase tudo o que tem a ver com a minha actividade profissional.

Retomei o contacto com alguns dos bolseiros de investigação, mestrandos e doutorandos. A maior parte dos jovens mestrandos não tem tempo para férias e , em busca de uma melhor oportunidade , estão ansiosos por mostrar trabalho e concluir o que andam a fazer. São de Évora, Redondo, Portalegre, Marinha Grande, Castelo Branco. Lisboa e Setubal. Todos trabalham, em pequenos biscatos na área dos serviços comerciais, jornais locais, empresas de explicações. Um é bolseiro FCT associado a um projecto internacional. Os doutorandos são todos profissionais instalados (professores do Ensino Secundário, Assistentes Universitários, quadros superiores de instituições públicas e privadas), com responsabilidades familiares, e por isso com ritmos de execução bem mais lentos, tendo alguns deles abdicado da condição de bolseiros FCT pelas perdas financeiras que ela acarretou. Agendaram-se algumas reuniões. Em breve chegarão outros.

Recebi dois alunos de mestrado, para aconselhar os procedimentos para o reingresso, num caso, e uma transição para o 2º Ciclo em Estudos Históricos Europeus , no outro. Uma conversa longa, que incluíu o tema da tese de mestrado, que deve ter em conta a óptica comparatista, no método, e transnacional, no objecto, que marca o novo programa de formação avançadaalém de factores de ordem pessoal. É muito importante que a agenda de investigação seja atractiva para o estudante.

No final do dia, ainda houve disponibilidade para dedicar algum tempo aos dados sobre a Mobilidade Social . Já estou atrasado para ver Jaglavak, o Príncipe dos Insectos mas, em compensação, terei ainda tempo para espreitar Erva (RTP2) e passar os olhos pelo Público, uma leitura de que só prescindo em períodos especiais. O actual não é um deles…. Um dia possível no "início de época", passe o jargão do universo do desporto.
HAF

domingo, setembro 2

9803º dia

O regresso a casa pelo romper da madrugada. Gosto de sair e entrar nas cidades pela manhã, bem cedo. Para trás, umas semanas de férias quase sem pesca e muito pouca praia. Salvaram-se por alguns passeios (escapadinhas, como agora se diz) interessantes na rota das Beiras (Guarda, Belmonte) e da Costa Atlântica (com a incontornável visita à Restinguinha , em Sines). Em Burgau , o meu paraíso em mudança nas paisagens natural e social, como alguém da família notou, estive "sem o velho espírito de férias". Quase tudo por causa da harmonização de uma base de dados de um projecto de investigação. Nela se avançou muito, andando contudo ainda pouco.

Aproveito o resto do fim de semana para “arrumar os papéis”. Neste recomeço, o maior prazer é o regresso à grande portada por onde espreito o bairro e a planície alentejana, e aos meus livros. Os que ficaram por acabar de ler, suspensos em lugares da mesa , com a marca sinalizadora, e agora disponíveis…. e os outros, arrumadinhos pelas estantes (um mimo que antecedeu a partida para férias). Dos que viajaram comigo, nenhum ficou definitivamente arrumado. E nestes, apenas em três houve reais avanços: Education and Social Mobility in the Soviet Union, 1921-1934 (Sheila Fitzpatrick); European Societies between Diversity and Convergence (L.Bekemans & R. Picht , eds) ; Foi Assim (Zita Seabra). Foi agradável ainda revisitar “As Ilhas Afortunadas” , de Basil Davidson, “um estudo sobre a África em transformação” , centrado em Cabo Verde e já com vinte anos.

Depois da “tarde desportiva” e em particular do “clássico” SCP-Belenense , recompensados os dever e paixão sportinguistas com a victória justíssima dos “leões” (apesar do nível da arbitragem, como tem de ser) , dei uma vista de olhos ao catálogo de verão da Peter Lang, uma das minhas preferidas editoras académicas privadas da Europa.
HAF

sábado, setembro 1

9802º dia

O regresso a casa foi adiado por umas horas. É sempre difícil, para toda a família, deixar Burgau. Por isso, como de costume, a partida arrasta-se ao limite. Ainda bem. Neste caso permitiu uma “última” visita ao mercado “informal” de Lagos. Manhã cedo. Um espaço com as cores da União: os vendedores, os clientes, os produtos, os aromas. Um prazer.

No último (e raro) passeio entre a praia de Burgau e as Pedras Amarelas, numa baixa mar próxima do zero hidrográfico, reforçam-se os laços com este extraordinário recanto, buscam-se búzios (vieram este ano?), burgaus, navalheiras, safios, moreias e polvos. Disto tudo, tudo muito pouco se pôde ver. Assim não era, ainda há meia dúzia de anos atrás. A nova regulação da pesca desportiva pode inverter este rumo. Vamos ver.

À entrada do novo ano académico a minha atenção está naturalmente focalizada no arranque da experiência da "bolonhização" e na “questão” da frequência escolar. Não merecendo dúvida o facto da reforma “europeia” constituir uma óptima oportunidade para melhorar profundamente o Ensino Superior em Portugal , será que os novos programas de formação vão ser efizaces? Vamos, em menos tempo, ser capazes de criar, por norma, licenciados, mestres e doutorados de nível (médio) europeu ? Será isso possível com uma reforma em que na maior parte dos casos apenas se atendeu ao currículo escolar, ignorando-se etapas e aspectos essenciais do processo de adequação (avaliação dos recursos e potencial, determinação das novas finalidades da formação, definição da estratégia, adequação da organização, métodos e currículo de disciplinas) ? Além disso, como "bolonhizar" sem meios , ou com meios e infraestruturas muito, mas muito, modestos?

A segunda preocupação (já “clássica”) tem naturalmente que ver com o recrutamento de estudantes. Haverá alunos para os primeiros e segundos ciclos? Mais que na dimensão demográfica, a dificuldade essencial sempre esteve quer na eficácia social do nosso sistema de ensino quer na qualidade das instituições. Deixo esta última dimensão (relevantíssima) para outra oportunidade. Embora pontuado de muitos “pequenos” problemas sociais, alguns deles só não resolvidos por insensatez, na última década, surpreendentemente (!), acentuou-se a desigualdade social nas oportunidades de acesso e de prosseguimento de estudos, tanto no “ensino secundário” como no superior em Portugal. Uma desigualdade que diferenciou e diferencia os nossos jovens entre si, e os nossos jovens em relação à grande maioria dos jovens europeus.

No ensino secundário, as coisas continuam confusas, e muito dificilmente o movimento de abandono será invertido a curto prazo (as notícias recentes sobre a agravamento dos custos escolares e a debilidade dos apoios sociais aos estudantes que o frequentam indicam que esta grande barreira manter-se-á eficaz). No Ensino Superior podemos ter melhores expectativas, de maior procura (outros utentes), maior acesso, mais longa permanência e maior taxa de conclusão. Há pelos menos quatro factores que podem ter um papel positivo. O primeiro, é a redução do primeiro ciclo para três anos, pelo menos na maioria dos cursos ( ainda que com um efeito lateral perverso: elitização “natural” de cursos com ciclos de estudo mais longos). Este é o impacto mais propalado da “Bolonhização”, uma novidade muitas vezes apreciada negativamente (mas que não o devia ser). Todavia trata-se de uma falsa novidade, pois já tinha sido ensaiada logo após o 25 de Abril, uma reforma que, Sottomayor Cardia, erradamente, interrompeu. O segundo factor é a abertura (2006) da modalidade de acesso específica para maiores de 23 anos, oportunidade que se generalizou . O terceiro , é a novel criação (Agosto, 2007) de um sistema de empréstimos aos estudantes, de “acesso automático“, que acresce ao apoio social já prestado aos estudantes carenciados pelos estabelecimentos de ensino superior , público e privado (acção social cujo envelope financeiro também se promete aumentar…) .

Os dois instrumentos (ampliação efectiva das modalidades de acesso e de apoio ao estudante) têm em comum tanto o insuportável atraso com que foram adoptados em Portugal, como o impacto favorável que tiveram nos países que já os adoptam, alguns deles há já várias décadas. A sua adopção constitui uma boa notícia para Portugal , se não ocorrer o “tradicional” deslize para o abastardamento. No que se refere ao sistema de empréstimos, que tanto animou a opinião publicada, o melhor é esperar pelo Decreto-Lei para uma apreciação mais detalhada, incluindo a comparação tanto ao modestíssimo e liberal “sistema de empréstimos aos estudantes do ensino superior” regulado pelo DL 512/99 (cujo impacto real desconhecemos) como às soluções adoptadas noutros países do “espaço europeu” (apreciar o grau de aproximação às oportunidades oferecidas aos estudantes europeus) .

Um quarto factor, que me parece útil destacar, é constituido pelas exigências de formação e flexibilidade de modalidades consignadas pelo novo Estatuto Docente dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário para efeitos de progressão na carreira.

Na profunda renovação do Mestrado de Estudos Históricos Europeus (agora centrado nos Séculos XIX e XX) reside uma das principais apostas pessoais. Estou convencido que com ela se abre a porta a um programa de formação avançada em História Comparativa e Transnacional , inovador, interessante e , acima de tudo, útil para uma internacionalização sólida da nossa historiografia e da nossa agenda historiográfica. Mas a este tipo de virtudes nem sempre se dá grande relevância. Por aqui ousa-se pouco. Já não falta muito para ver quanto. No entanto, no plano institucional seria um importante contributo para a criação de um campo de formação e investigação transversais, focalizado nos Estudos Europeus e Relações Internacionais, onde já temos outros programas bem mais consolidados.

Da Universidade de Évora tive apenas notícias pontuais. A mais surpreendente, e aqui merecedora de nota, foi o Despacho 95/2007, dirigido aos “Docentes em regime de tempo integral” visando o “cumprimento de horário de trabalho”. No comments.
HAF