1. A AAC : 120 anos
A Associação Académica de Coimbra comemora hoje 120 anos de vida. Fundada em 2 de novembro de 1887 é a mais antiga associação de estudantes do país e aquela que mais marcou a vida social conimbricense e nacional.
Tornou-se parte da minha vida desde 1975, quando regressado (“retornado”) de Angola escolhi (e bem) a Academia de Coimbra para prosseguir os meus estudos. Hoje sigo a sua actividade quase com a mesma atenção que lhe dediquei como estudante. E gostava de ver na minha Universidade a acção e cultura plurais que constituem a principal marca da AAC. A AAC e o movimento estudantil nas Faculdades da UC constituiram “espaços” onde a minha experiência e aprendizagem da cidadania se aprofundou. O que ficou enraizado de tudo isso foi o interesse pelo debate, pela competição académica e política, a noção de solidariedade e as amizades (irmandades) do resto da vida. Costumo também dizer que em Coimbra o pensar livremente foi para mim uma aquisição definitiva. Mais importante ainda, que o livre pensamento e a sua expressão não tinham limites nem preço que não os do reconhecimento da diferença dos outros. O facto de um dos meus filhos ter livremente escolhido estudar na minha (nossa porque da Belém também) Academia encheu-me de satisfação. O laço continua.
Os dois “autocolantes” aqui insertos são do meu tempo e documentam a “cultura institucional” de liberdade activa e de solidariedade de que, como tantos outros, sou tributário.
2. Ainda o Ranking das Escolas …..
No jornal Público de hoje José Manuel Fernandes, no seu editorial (Verdades sobre a escola duras como pedras) e Vasco Polido valente na sua coluna (“A evidência” ) comentam o recente ranking das escolas básicas e secundárias estabelecido a partir dos resultados dos exames do 9º e 11º/12º anos. Já escrevi sobre isso no registo de ontem. Apenas deixo duas notas.
A perspectiva de J.M.Fernandes é mais ideológica que analítica. Com algumas verdades imagina muitas fantasias. Vê e valoriza no sistema o que ele não tem, ou o que nele é secundário. Referia-me ontem a um certa corrente conservadora a favor da aristocratização da escola . O director do Público, desde que passei a dar alguma atenção ao que escreve sobre educação (e isso aconteceu com a sua participação num programa dos Prós e Contras sobre o Ensino Superior, em que foi um falso moderador ou relator…), mantem as mesmas características: diz que a coisa é complexa, mas simplifica; não mostra conhecer (não debate) as soluções internacionais/europeias ensaiadas e os resultados relativos das mesmas. Acho que não é por ignorância, é mais por cegueira ideológica, uma obsessão militante, que remete os factos para a conveniência intelectual. Retenho um naco: “ O que não há é um bom sistema de ensino comandado por iluminados “filhos de Rousseau” que gostariam de levar todos, pela arreata, até ao paraíso igualitário mas mediocre”. No ponto em que hoje se coloca na Europa a questão escolar hojeisto pouco sentido faz. Tudo pouco útil. Mas em Portugal pode chegar a Ministro do sector.
A reflexão de VPV tem uma outra lucidez: a escola como uma histórica construção institucional da reprodução da desigualdade social (o que é um facto de ontem e de hoje) e por isso nunca será um canal de igualização. Identifica as evidências sociais que separam as escolas (desigualdade na composição e os resultados qualitativos daí decorrentes ( reprodução da hierarquia) – reflexões cuja leitura recomendo - conclui com acerto: “ Da polémica que agita o país só uma conclusão é irrecusável: a velha ideologia do ensino continua para durar” . Tem toda a razão.
3. As Colónias Portuguesas e a Guerra Colonial: livros coevos
Há dias numa banca de livros “velhos” de uma Faculdade lisboeta passei os olhos em Mugur Valahu, Angola, Clé de l`Afrique (Paris, 1966) e troqueio por 4 euros. Aproveitei a disponilidade e deixei outro tanto por um Doutor Oliveira Boléo: Mozambique Petite Monographie (Lisbonne, Agência_geral do Ultramar, 1967). Fixemo-nos no primeiro dos livros 8de que existe uma tradução portuguesa de 1968).
O Autor era natural de Bucareste (1920), tinha o título de “docteur en droit des universités de Paris et de Bucareste”, era Lieutenant de Réserve de l´Armée roumaine, grièvement blessè sur la front russe, décoré de plusieurs ordres militaires”. Editor de revista Cortina (…-1946, Bucareste) evadiu-se em 1946 e rumou a Paris onde foi redactor e locutor da Radio francesa na BBC e da Rádio Livre da Europa. Foi ainda secretário geral da União dos Jornalistas Livres da Europa Central e da Associaçãpo dos Jornalistas Romenos no Exílio, e colaborou em jornais como o Figaro e o Paris-Press.De 1951 a 1954 foi redactor para a organização anti-comunista radical “Paz e Liberdade”, dirigida por Jean-Paul David (nota biográfica em
http://www.assembleenationale.fr/histoire/biographies/IVRepublique/david-jean-paul-14121912.asp], foi contratado pela “Agence de Press Intercontinental Research Forum e pela revista Free World Forum (Washington DC). Em 1957 rumou aos EUA onde se naturalizou cidadão americano. Nos anos 1960s viajou por África, visitou Angola e Cabinda e publicou diversos trabalhos sobre o “Continente Negro”, em especial sobre o Congo e o Katanga (The Katanga Circus: A Detailed Account of Three UN Wars. New York, R.Speller, 1964.; etc.)
O livro tem um plano interessante (trad. minha):
I-Os portugueses desembarcam em África
II-Costumes e mentalidade dos bantos
III-Da escravatura aos nossos dias
IV-A segunda guerra mundial e seus efeitos em África (“os tiranos marxistas erigem-se como libertadores “…)
V-A explosão terrotista de 1961
VI-Dois anos de incerteza
VII-O regresso da calma
VIII-As riquezas
IX-As Misérias
X-O soldado português em Angola
XI-Nacionalismo ou banditismo
XII-Angola e os seus vizinhos
XIII-Os Estados Unidos e a África
XIV-As chaves do futuro
Conclusão.
Veremos o que nos diz este homem que viajando pelo Congo-Léopoldville , escreveu ter visto “de prés cé désordre, cette anarchie typiquement noire oú tout le monde commande et personne nº obéit, ce gaspillage de temps et d`énergies, résultant d´une autonomie á laquelle les Africains, aujourd`hui encore, ne parviennent pas à s`habituer “ e que, já espreitei, viu para o futuro de Angola três vias: manter-se como provincia ultramarina, território português soberano, regido pela mesma Constituição e na mesma base que os distritos ds metrópole; separação protagonizada pelos Angolanos e em especial pelos Portugueses Brancos, mas no quadro de uma “Comunidade Lusitana”; uma Angola independente, sob a autoridade exclusiva dos negros,“ralliant ainsi l´imposture de 36 outres pays africains” (p. 289-90). Considerou “impensável” a última hipótese, a de ver “Angola submergée par les terroristes et devenue le 37e pays d´imposture, sous l`autorité unique des Noirs” , atendendo à “détermination actuelle des Portugais de maintenir leur emprise sur ce territoire. Au demeurent, si cette alternative se réalisait, elle mettrait plus en peril des Noirs que les Blancs.» (p. 300). O resto – sobre as várias chaves que encerram o futuro de Angola- fica para outra oportunidade. O trecho dá para identificar bem a perspectiva do autor
A biografia de Valahu fica mais completa se ficar dito que, desde finais dos anos 1950, foi um agente operacional da CIA. Morreu no sul de França na primavera de 2003.
4. Elvas e a Nova Biblioteca Municipal
Inaugura-se hoje no antigo Colégio Jesuita de Elvas (Largo do Colégio) a nova biblioteca municipal.
É uma “coisa” destas que a cidade de Évora está a precisar, há muitos anos, e não tem, nem parece ter perspectivas de a ter a prazo breve. Fui, durante um ano e tal (2001-02), director da BPE. Tomei o pulso à instituição com base em alguns relatórios técnicos chave. Tudo se deveria remediar até que um novo edifício, indispensável, permitisse entrar depressa na era moderna. Mas, no essencial,tudo ficou quase na mesma, pois o esforço do actual director, muito competente,não consegue vencer a enorme desporporção entre por um lado, o valor e interesse dos fundos da BPE, o serviço que pode prestar (acesso expedito e geral aos utilizadores)e, por outro, a infraestrura que os imobiliza e coloca em risco. Isto numa cidade que deve ter cerca de 15000 estudantes. É grave mas é duradouro. E as promessas eleitorais passam a dívidas, dívidas insolventes? Provavelmente.
HAF
Editorial
Um amigo muito estimado tem uma “FlorBela” , a poetisa, sentada à janela do mundo. A peça é de Pedro Fazenda e hoje permite à poetisa, a partir da Quinta de Santa Rita, um olhar eterno sobre o lado este da cidade de Évora. Todavia ela nem sempre esteve ali. Conheci-a na cidade, no Pátio de S. Miguel , quase debruçada sobre o velho Colégio Espírito Santo (actual “centro” da Universidade de Évora) e com um horizonte que dos “coutos “ orientais da cidade se prolongava, nos dias verdadeiramente transparentes , até Évora-Monte . Mas as coisas da vida são como se fazem. Depois de um par de anos vendo o mundo a partir da cidade , e de mais alguns por outras andanças e paragens, Florbela sentou-se definitivamente para observar a cidade. E lá a encontrará nos anos vindouros quem a souber procurar. À janela, de onde a poetisa gostava de apreciar se não o Mundo, pelo menos o Mar (“Da Minha Janela”, 1923).
À janela do mundo me coloco também para observar e comentar as múltiplas cidades que me interessam, os seus actores e instituições. Sem uma agenda definida. Pelo simples prazer de dar palavras a ideias quando tal me apetecer. Um exercício de liberdade e cidadania.
DiáriodeumaCatedraaJanela é um blog de autor, um espaço de opinião aberto a todas as dimensões que se inscrevem na minha identidade . A de um autor com experiência e memória de mais de meio século partilhadas entre África e Europa, Casado (há quase 30 anos), Pai (de três filhos), Livre Pensador, Cidadão (Português e Europeu) , Professor (Catedrático) e Historiador . O Diário passará por tudo isto, mas com o carácter de “conta-corrente”, só mesmo a vida académica, que no momento em que este editorial foi escrito de(le)itava-se em mais uma falsas férias.
Não me coloco ao abrigo de uma atalaia. Pretendo também ser observado, expondo o meu dia a dia profissional. É uma forma de ajudar a superar a miserável (manipulação da ) ignorância do “povo” e proporcionar a possibilidade de contrapôr experiências à retórica e oportunismo mediáticos de muitos observadores e políticos pouco criteriosos. Os cidadãos podem conhecer de perto o que nós (professores universitários com carreira universitária) fazemos pelo país, o modo como o fazemos e o que pensamos sobre o modo como podemos fazer ainda mais e melhor.
A começar a 1 de Setembro. Não por ser o dia dedicado pela Igreja Católica à bela “Santa Beatriz da Silva Menezes, Virgem “ (1490-c 1550). Não por constituir efeméride da invasão da Polónia pela Alemanha (1939), da Conferência de Belgrado (1961) ou da tomada do poder por Muammar al-Qaddafi (1969). Não também pelo comemorativo propósito dos dias do Caixeiro Viajante ou do Professor de Educação Física. Nem sequer por marcar o nascimento de António Lobo Antunes (1942), o autor das extraordinárias “D´este viver aqui neste papel descripto. Cartas da Guerra” (1971-1972) , cuja edição as filhas organizaram (2005) , ou de Allen Weinstein (1937), prestigiado historiador americano e actual “Archivist of the United States “. Nada disso. Também não é por corresponder ao 9802º dia da minha actividade como professor universitário, cujo início data de 30 de Outubro de 1980, quatro meses após a conclusão da licenciatura e uma disputa em concurso público limpinho. Apenas porque me fica mais em conta.
Vamos lá tentar fazer disto um mundo aberto.
Burgau, 15 de Agosto de 2007
Helder Adegar Fonseca (HAF)
À janela do mundo me coloco também para observar e comentar as múltiplas cidades que me interessam, os seus actores e instituições. Sem uma agenda definida. Pelo simples prazer de dar palavras a ideias quando tal me apetecer. Um exercício de liberdade e cidadania.
DiáriodeumaCatedraaJanela é um blog de autor, um espaço de opinião aberto a todas as dimensões que se inscrevem na minha identidade . A de um autor com experiência e memória de mais de meio século partilhadas entre África e Europa, Casado (há quase 30 anos), Pai (de três filhos), Livre Pensador, Cidadão (Português e Europeu) , Professor (Catedrático) e Historiador . O Diário passará por tudo isto, mas com o carácter de “conta-corrente”, só mesmo a vida académica, que no momento em que este editorial foi escrito de(le)itava-se em mais uma falsas férias.
Não me coloco ao abrigo de uma atalaia. Pretendo também ser observado, expondo o meu dia a dia profissional. É uma forma de ajudar a superar a miserável (manipulação da ) ignorância do “povo” e proporcionar a possibilidade de contrapôr experiências à retórica e oportunismo mediáticos de muitos observadores e políticos pouco criteriosos. Os cidadãos podem conhecer de perto o que nós (professores universitários com carreira universitária) fazemos pelo país, o modo como o fazemos e o que pensamos sobre o modo como podemos fazer ainda mais e melhor.
A começar a 1 de Setembro. Não por ser o dia dedicado pela Igreja Católica à bela “Santa Beatriz da Silva Menezes, Virgem “ (1490-c 1550). Não por constituir efeméride da invasão da Polónia pela Alemanha (1939), da Conferência de Belgrado (1961) ou da tomada do poder por Muammar al-Qaddafi (1969). Não também pelo comemorativo propósito dos dias do Caixeiro Viajante ou do Professor de Educação Física. Nem sequer por marcar o nascimento de António Lobo Antunes (1942), o autor das extraordinárias “D´este viver aqui neste papel descripto. Cartas da Guerra” (1971-1972) , cuja edição as filhas organizaram (2005) , ou de Allen Weinstein (1937), prestigiado historiador americano e actual “Archivist of the United States “. Nada disso. Também não é por corresponder ao 9802º dia da minha actividade como professor universitário, cujo início data de 30 de Outubro de 1980, quatro meses após a conclusão da licenciatura e uma disputa em concurso público limpinho. Apenas porque me fica mais em conta.
Vamos lá tentar fazer disto um mundo aberto.
Burgau, 15 de Agosto de 2007
Helder Adegar Fonseca (HAF)